De novo a Portugal SA
"Esta semana, o alarme voltou a soar. A agência de notação financeira (ou rating) Sandard & Poor"s baixou a classificação de Portugal enquanto país capaz de cumprir o pagamento das suas dívidas - isto é, para os mercados financeiros Portugal está em estado de pré-falência. A bolsa portuguesa entrou em colapso. O líder do PSD pediu para se reunir com o primeiro-ministro e as trombetas em defesa da soberania financeira do país tocaram a despique. O acordo de Bloco Central surgiu na terça-feira em torno da ideia de antecipar três medidas do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) que incidem sobre a fiscalização e o controlo de despesa pública com prestações sociais e a redução do subsídio de desemprego - ou seja, aperta-se o torniquete de novo sobre os que menos podem.
A decisão de uma agência privada que classifica a capacidade dos devedores, sejam privados, sejam Estados, de pagar o que devem não nasceu do nada. Há um mês uma outra grande agência de rating, a Fitch, tinha baixado a sua classificação sobre Portugal. E a semana passada, pela voz de um Prémio Nobel da Economia e pela de um antigo responsável do Fundo Monetário Internacional (FMI), Portugal foi alertado para a possibilidade de entrar em bancarrota. Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da Economia, disse que, depois da Grécia, "não se pode excluir a hipótese de falência noutros países, como Portugal ou a Espanha". E o ex-economista chefe do FMI Simon Johnson considerou que "ambos [Portugal e Grécia] estão, em termos económicos, na vertigem da bancarrota e ambos parecem mais arriscados do que a Argentina em 2001, quando sucumbiu ao incumprimento" (PÚBLICO 21/04/2010).
Por sua vez, o FMI colocou Portugal na cauda dos países europeus, afirmando que tem 18 por cento de probabilidades de provocar instabilidade e perturbações na zona euro, quando a Grécia está nos 21,4 por cento e a Espanha, em terceiro lugar, fica a uns distantes 12,7 por cento (PÚBLICO 21/04/2010). A cereja no bolo foi dada pelo mesmo FMI, que reviu em baixa, para 0,3 por cento, a previsão para o crescimento da economia portuguesa este ano, quando o Governo apontara para um por cento no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010 (PÚBLICO 22/04/2010) - ou seja, diminuem as expectativas de Portugal poder produzir riqueza que lhe dê capacidade de cumprir os seus compromissos. O economista João Ferreira do Amaral ainda disse que "o problema não é Portugal", acrescentando que "a zona euro não foi criada de forma minimamente sólida e não está preparada para situações destas" (PÚBLICO 21/04/2010). Mas surgiu como uma voz isolada no mainstream nacional e europeu, onde ninguém parece minimamente interessado em debater a questão de fundo que está subjacente a esta aparente falência de Portugal e antes da Grécia.
E a questão de fundo passa precisamente por questionar se é normal que os países sejam avaliados e se comportem como se de empresas se tratasse. Já a propósito do Orçamento do Estado para este ano questionámos as pressões das agências de rating, precisamente por causa da sua capacidade de avaliação sobre se Portugal tem condições de pagar a sua dívida.
A questão de fundo não é assim a de saber se Portugal sobe ou desde nas tabelas de devedores. É a de saber se faz sentido os Estados estarem classificados e funcionarem de acordo com regras de mercado como se fossem empresas.
É certo que o problema é geral. É certo que este é o modo de funcionar da política mundial que soçobrou à adoração e à subserviência ao mercado. É certo que a maioria das forças políticas que governam a Europa e o mundo não questionam esta forma de funcionamento. E tudo parecia andar sobre rodas até que a crise internacional veio por a nu as fragilidades do sistema.
Agora o que parece incompreensível é que, perante a exposição crua do que estas regras de mercado provocam, perante a visibilidade explícita de que são meia dúzia de multinacionais financeiras que governam o mundo, ninguém questione e queira reflectir sobre a necessidade de mudar o sistema. Sobre a necessidade de dar aos Estados (nacionais, unidos ou federados, pouco importa) a capacidade de conduzir a sua gestão de forma autónoma desses agentes. Por que razão os bancos que estiveram na origem da crise financeira internacional continuam a ditar as regras e a manter o seu lucro?
Certamente que é preocupante atalhar o problema e tomar medidas para que o país, dentro das regras que tem de jogar, não fique em situação cada vez mais fragilizada. É urgente fazer face à situação de descalabro financeiro. Mas a dúvida que se coloca é a de saber qual vai ser o fim disto. Como vai acabar esta situação internacional em que a economia do mundo passou a ser explicitamente controlada e governada por meia dúzia de empresas financeiras, mais concretamente de bancos, e em que os políticos e os governos dos Estados recebem delas as ordens, as regras e as orientações de procedimento? Repito: até onde vai isto conduzir o mundo? A que ponto é preciso chegar para que estas regras sejam questionadas?
Como tudo parece indicar que a classe política europeia não está interessada ou não pode sequer, pelo grau de submissão ao poder económico que já vive, tentar inverter as regras e o sistema de funcionamento instalado, a pergunta impõe-se: quem é que vai pagar a factura? As empresas? Os que lucram? Ou será que a solução desta crise vai passar novamente pelo apertar da situação dos que menos têm? Será que a solução desta crise, nacional e internacional, vai passar pelo agravar da luta de classes invertida que tem tentado ao longo dos últimos 30 anos retirar direitos a quem trabalha e diminuir a redistribuição da riqueza por toda a sociedade?
Qual vai ser a solução para resolver o problema de dívida em Portugal, depois do sinal dado esta semana pelo acordo entre Sócrates e Passos Coelho: baixar salários? Retirar férias e mais subsídios? Acabar com a saúde e o ensino com carácter universal revendo a Constituição? Já agora, por que não se avança para a taxação real do lucro dos bancos? Insisto: por que razão os bancos têm de manter os seus lucros em prejuízo de toda a sociedade e da soberania de países?"
A decisão de uma agência privada que classifica a capacidade dos devedores, sejam privados, sejam Estados, de pagar o que devem não nasceu do nada. Há um mês uma outra grande agência de rating, a Fitch, tinha baixado a sua classificação sobre Portugal. E a semana passada, pela voz de um Prémio Nobel da Economia e pela de um antigo responsável do Fundo Monetário Internacional (FMI), Portugal foi alertado para a possibilidade de entrar em bancarrota. Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da Economia, disse que, depois da Grécia, "não se pode excluir a hipótese de falência noutros países, como Portugal ou a Espanha". E o ex-economista chefe do FMI Simon Johnson considerou que "ambos [Portugal e Grécia] estão, em termos económicos, na vertigem da bancarrota e ambos parecem mais arriscados do que a Argentina em 2001, quando sucumbiu ao incumprimento" (PÚBLICO 21/04/2010).
Por sua vez, o FMI colocou Portugal na cauda dos países europeus, afirmando que tem 18 por cento de probabilidades de provocar instabilidade e perturbações na zona euro, quando a Grécia está nos 21,4 por cento e a Espanha, em terceiro lugar, fica a uns distantes 12,7 por cento (PÚBLICO 21/04/2010). A cereja no bolo foi dada pelo mesmo FMI, que reviu em baixa, para 0,3 por cento, a previsão para o crescimento da economia portuguesa este ano, quando o Governo apontara para um por cento no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010 (PÚBLICO 22/04/2010) - ou seja, diminuem as expectativas de Portugal poder produzir riqueza que lhe dê capacidade de cumprir os seus compromissos. O economista João Ferreira do Amaral ainda disse que "o problema não é Portugal", acrescentando que "a zona euro não foi criada de forma minimamente sólida e não está preparada para situações destas" (PÚBLICO 21/04/2010). Mas surgiu como uma voz isolada no mainstream nacional e europeu, onde ninguém parece minimamente interessado em debater a questão de fundo que está subjacente a esta aparente falência de Portugal e antes da Grécia.
E a questão de fundo passa precisamente por questionar se é normal que os países sejam avaliados e se comportem como se de empresas se tratasse. Já a propósito do Orçamento do Estado para este ano questionámos as pressões das agências de rating, precisamente por causa da sua capacidade de avaliação sobre se Portugal tem condições de pagar a sua dívida.
A questão de fundo não é assim a de saber se Portugal sobe ou desde nas tabelas de devedores. É a de saber se faz sentido os Estados estarem classificados e funcionarem de acordo com regras de mercado como se fossem empresas.
É certo que o problema é geral. É certo que este é o modo de funcionar da política mundial que soçobrou à adoração e à subserviência ao mercado. É certo que a maioria das forças políticas que governam a Europa e o mundo não questionam esta forma de funcionamento. E tudo parecia andar sobre rodas até que a crise internacional veio por a nu as fragilidades do sistema.
Agora o que parece incompreensível é que, perante a exposição crua do que estas regras de mercado provocam, perante a visibilidade explícita de que são meia dúzia de multinacionais financeiras que governam o mundo, ninguém questione e queira reflectir sobre a necessidade de mudar o sistema. Sobre a necessidade de dar aos Estados (nacionais, unidos ou federados, pouco importa) a capacidade de conduzir a sua gestão de forma autónoma desses agentes. Por que razão os bancos que estiveram na origem da crise financeira internacional continuam a ditar as regras e a manter o seu lucro?
Certamente que é preocupante atalhar o problema e tomar medidas para que o país, dentro das regras que tem de jogar, não fique em situação cada vez mais fragilizada. É urgente fazer face à situação de descalabro financeiro. Mas a dúvida que se coloca é a de saber qual vai ser o fim disto. Como vai acabar esta situação internacional em que a economia do mundo passou a ser explicitamente controlada e governada por meia dúzia de empresas financeiras, mais concretamente de bancos, e em que os políticos e os governos dos Estados recebem delas as ordens, as regras e as orientações de procedimento? Repito: até onde vai isto conduzir o mundo? A que ponto é preciso chegar para que estas regras sejam questionadas?
Como tudo parece indicar que a classe política europeia não está interessada ou não pode sequer, pelo grau de submissão ao poder económico que já vive, tentar inverter as regras e o sistema de funcionamento instalado, a pergunta impõe-se: quem é que vai pagar a factura? As empresas? Os que lucram? Ou será que a solução desta crise vai passar novamente pelo apertar da situação dos que menos têm? Será que a solução desta crise, nacional e internacional, vai passar pelo agravar da luta de classes invertida que tem tentado ao longo dos últimos 30 anos retirar direitos a quem trabalha e diminuir a redistribuição da riqueza por toda a sociedade?
Qual vai ser a solução para resolver o problema de dívida em Portugal, depois do sinal dado esta semana pelo acordo entre Sócrates e Passos Coelho: baixar salários? Retirar férias e mais subsídios? Acabar com a saúde e o ensino com carácter universal revendo a Constituição? Já agora, por que não se avança para a taxação real do lucro dos bancos? Insisto: por que razão os bancos têm de manter os seus lucros em prejuízo de toda a sociedade e da soberania de países?"
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Artigo de São José Almeida no Público de 1/05/2010
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