terça-feira, 30 de novembro de 2010

A receita de Eric Cantona e o combate para desarmar e controlar os mercados financeiros

Marinus van Reymerswaele (1490- 1546)
Eric Cantona tem vindo a defender, na sua intervenção pública e em vídeos disponíveis na Web, que destruir o poder do sistema financeiro passa simplesmente pelo levantamento massivo, pelos cidadãos, dos seus depósitos, conduzindo ao desmoronamento do sistema bancário. Pelas suas próprias palavras, explicando que não acredita na eficácia das manifestações e da greve, Cantona propõe: “manifestarmo-nos na rua, para quê? Não é eficaz… O sistema é construído sobre o poder dos bancos, logo pode ser destruído pelos bancos. Em vez de ter três milhões de pessoas na rua, esses três milhões podem ir à banca, retiram o seu dinheiro e os bancos entram em derrocada”. Ou, noutra declaração, prevê que “se vinte milhões de pessoas retirarem o seu dinheiro, o sistema desmorona-se: sem armas, sem sangue, sem mais nada.

Mas é assim? Será que Cantona descobriu a pólvora? Será que o capitalismo contemporâneo e os mercados financeiros são desarmados deste modo, com um clique nos depósitos? Será que os trabalhadores, os cidadãos comuns, tomam assim o controlo das suas vidas e o poder de revolucionar o sistema?

A iniciativa de Eric Cantona é uma “provocação”, um impulso de protesto e indignação que tem o papel positivo de chamar a atenção para a responsabilidade criminosa do sistema financeiro nas causas da crise e no facto de ser igualmente o capital financeiro o principal beneficiário da crise com a brutal transferência de recursos públicos para os bancos em nome da sua salvação.

Tem esta proposta eficácia concreta ou está antes a vender uma ilusão, mesmo que bem-intencionada e com algum impacto mediático, que se dissolve na espuma dos dias, em nada belisca os poderosos e desvia os cidadãos da acção colectiva verdadeiramente eficaz e transformadora?

Os cidadãos comuns carecem, queiram ou não, no sistema de que são parte, de utilizar os bancos na sua sobrevivência, nos seus pagamentos e recebimentos diários.

A teia de relações entre a banca, a economia real, as poupanças e responsabilidades das famílias e os seus níveis massivos de endividamento à banca (com destaque para o crédito à habitação), a domiciliação da recepção dos salários mensais nos bancos como contrapartida de créditos e prática normal das empresas, o pagamento das reformas, subsídios de desemprego e outros benefícios sociais por transferência bancária, os pagamentos a fornecedores de serviços por débito directo, os depósitos a prazo e outros planos de poupança e investimento, tudo cria relações de dependência entre os bancos e a vida quotidiana das pessoas.

Se a iniciativa de Cantona tivesse sucesso, sabendo-se que os bancos mobilizam as poupanças depositadas para a espiral de criação de mais capital fictício através do crédito, poderia causar rupturas no sistema financeiro, mas que iriam afectar e fazer sofrer em primeiro lugar os que mais têm razões para combater o sistema e protestar contra ele: os assalariados, os desempregados e outros destinatários de benefícios sociais, os mais pobres e carenciados. Os ricos teriam e têm sempre outros meios de defesa, as contas em bancos estrangeiros e nos paraísos fiscais, património imobiliário e outros recursos, ouro, etc.

Cantona, como outros indignados com as malfeitorias e crimes do capital financeiro, não está a ter em conta a profunda mudança qualitativa do capitalismo nos últimos 30 anos, na base do chamado Consenso de Washington e do domínio da narrativa neoliberal, impulsionada politicamente por Thatcher e Reagan, mas logo de seguida convertendo em seus discípulos Clinton e a maioria da social-democracia europeia.

Combater eficazmente este capitalismo neoliberal exige compreender estas mudanças.

O capital financeiro passou nas últimas décadas a sistema dominante e global, com a liberalização e generalizada desmaterialização dos movimentos de capitais, a desregulação geral dos mercados de capitais, com a apropriação do conhecimento científico e dos recursos das novas tecnologias que permitem manipular as relações espácio-temporais. Sendo movido, nem por objectivos de investimento na economia real, nem pelas regras da concorrência, da oferta e da procura teorizadas pelos pais do liberalismo clássico, mas pela insaciável acumulação de capital fictício através de movimentos especulativos de criação de moeda bancária em espiral interminável, de que os esquemas de Ponzi (tendo Magdoff como sua ilustração maior nos EUA e a D. Branca como uma representante menor em Portugal) são mero exemplo e que sacrificam, encerram, despedem e deslocalizam unidades produtivas de acordo com os seus interesses.

Os mercados financeiros parecem um cavalo à solta, que tomou o freio nos dentes, estão incontroláveis e insaciáveis, usam a sua dinâmica global para controlar e subordinar Estados nacionais, para acelerar a redistribuição da riqueza em seu proveito, através da degradação dos salários, da desvalorização do trabalho e da destruição do compromisso social dos Estados-Providência. O capitalismo neoliberal busca elevar as suas taxas de rentabilidade e de lucro através da extensão do mercado a todas as esferas da vida humana e das relações sociais, tudo convertendo em mercadoria e tudo convertendo em fonte de especulação financeira.

Podem Cantona e mais alguns ter recursos e modos de vida que lhes permitam cumprir o que ele propõe. Mas os comuns, os que vivem do seu trabalho, os pequenos empresários, os que têm as suas poupanças em fundos e em títulos de divida, os que recebem por transferência bancária o vencimento, ou a reforma, ou o subsídio de desemprego, os pequenos empresários que dependem do banco para movimentar o seu negócio, os que têm créditos a pagar, estão presos ao banco como o doente renal à máquina de diálise. Cortar de repente a ligação não mata o sistema, mas dá cabo do doente. O regresso ao tempo das poupanças na gaveta ou no colchão também não é solução.

O caminho é certamente outro e mais exigente: a mobilização social e política contra as políticas e os PECs que, em Portugal e na Europa, promovem a recessão, o desemprego e a desigualdade e para a construção de alternativas a este estado de coisas. Para que o Estado, o poder politico e a economia real deixem de ser canibalizados e sugados pelo capital financeiro. Para cortar a relação promíscua do poder político com o mundo dos negócios. Para conquistar a autonomia relativa da decisão política perante o sistema financeiro. Para controlar e limitar os mercados financeiros, eliminar os paraísos fiscais que se constituíram em bases do crime organizado, da lavagem de dinheiro e da fuga de capitais, fazer a taxação efectiva das transacções financeiras à escala global e das mais-valias bolsistas. Para pôr fim a esta economia de casino, que não é o estado natural das coisas em sociedade que os comentadores situacionistas justificam, mas um modelo capitalista por cuja superação vale a pena lutar.

A Comissão Europeia, o Conselho Europeu, o Banco Central Europeu e os governos nacionais que participam nestes órgãos, ou deixam de se comportar como vassalos dos mercados financeiros e da sua ideologia neoliberal e orientam as suas políticas para a protecção da economia real, para o crescimento do emprego, para o primado do bem-estar dos cidadãos e da renovação e sustentação do modelo de protecção social, ou é o euro e o próprio projecto da União Europeia como espaço de cooperação e de paz que estarão comprometidos.

Não é com a iniciativa Cantona que vamos lá no combate e no desarme dos mercados financeiros predadores e que damos a volta a isto.

Decisivos, sim, serão a mobilização social e política pela defesa, renovação e sustentação do Estado Social face à ofensiva de que é alvo; o combate e a unidade de acção, nas empresas e no espaço público, contra o desemprego, a precariedade, a desvalorização do trabalho e dos salários, aproveitando o grande impulso de esperança que a Greve Geral constituiu; a exigência renovada de outra política que não aceite que o Estado português e a Europa sejam prisioneiros dos mercados financeiros; o esforço de convergência social e política à esquerda capaz de produzir alternativas a este capitalismo insaciável.

Renovar o apoio à campanha internacional da ATTAC para o debate e a exigência de uma taxa sobre as transacções financeiras internacionais (que continua em marcha e tem um sítio Web próprio - ver aqui e aqui), que seja reguladora e limitadora da especulação e constituinte de fundos aplicáveis no desenvolvimento humano, é também certamente um modo, embora limitado e modesto, de cada um e todos afirmarem utilmente o seu compromisso cidadão de combate contra esta economia de casino em que o capitalismo se converteu.

Henrique Sousa, da Direcção da ATTAC Portugal

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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A Greve Geral de hoje é já um sucesso e semente de resistência e de futuro

Dados e Imagens da Greve Geral em http://www.grevegeral.net/

O início da Greve Geral - Aeroporto da Portela:


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terça-feira, 23 de novembro de 2010

Orçamento de Estado 2011: É preciso resistir a esta caminhada para o precipício!

Comunicado da Direcção da ATTAC sobre o Orçamento de Estado e a Greve Geral:

O Orçamento do Estado que, na continuidade dos PECs, o Governo do PS e o PSD cozinharam, com a bênção do Presidente da República, é o caminho para mergulhar Portugal na recessão, em mais desemprego, mais pobreza, mais desigualdade. Em nome do combate ao défice e à dívida e do proclamado objectivo de “acalmar os mercados financeiros”, assenta na repartição profundamente injusta dos sacrifícios, penaliza principalmente o mundo do trabalho e os que menos têm, corta brutalmente os direitos e apoios sociais, evita tocar na finança e nos grandes interesses económicos e não reduz, antes agrava, a profundamente injusta distribuição da riqueza que caracteriza o País e é uma das principais razões do seu atraso.

Que autoridade política e técnica têm os responsáveis pelo plano inclinado da economia e das finanças públicas portuguesas, que durante mais de três décadas têm assegurado a governação do país, num casamento cada vez mais estreito e promíscuo com a grande finança e os grandes negócios, para virem agora pregar a inevitabilidade destas receitas, que se estão a revelar como falhadas em todo o lado (como se vê na Grécia e na Irlanda)?

Que medidas inevitáveis são estas que apenas estão a servir para renovar os apetites predadores dos especuladores que se escondem por detrás dessa entidade mítica a que chamam “os mercados” e cuja vontade de buscar alimento nas presas mas frágeis nunca para de crescer com esta orientação neoliberal da União Europeia, comandada pelos interesses de grande potência do governo alemão de Merkel (acolitado por Sarkozy e por Cameron), disposto a sacrificar os países periféricos, o próprio euro e a coesão europeia aos interesses da sua banca e das suas empresas exportadoras?

Os PECs falhados e o Orçamento de Estado agora apresentado como receita não são fatais como o destino!

O Orçamento de Estado que PS e PSD se preparam para viabilizar não é o caminho de que Portugal precisa para sair da crise, como defendem os comentadores e analistas de serviço bem pagos, que sempre se enganaram mas nunca têm dúvidas nos remédios de austeridade para a maioria que sempre apregoam.
Enquanto se prevê a queda das receitas do IRC (sobre os lucros) em 2011 para menos 2,7%, as receitas do IRS (sobre os rendimentos do trabalho) vão aumentar 9,9% e todos os que tiverem um rendimento colectável superior a 530 € mensais vão ver agravado o IRS, mas o Governo não tributou a venda pela PT da brasileira Vivo, que poderia ter rendido aos cofres do Estado cerca de 1000 milhões de euros. Haverá um aumento brutal do IVA (permitindo ao Estado arrecadar mais 1000 milhões, tanto quanto poderia ter cobrado à PT), o mais injusto e brutal aumento porque sacrifica todos por igual, mas continuará a não ser exigido à banca que pague os 25% do IRC e o Governo nada faz perante as escandalosas manobras de grandes empresas para anteciparem para este ano o pagamento de dividendos relativos a 2011 (como já anunciaram a PT, a Jerónimo Martins e a Portucel), assim roubando ao Estado centenas de milhões de euros em impostos que deixarão de pagar.

É neste país tão profundamente desigual que a receita PS-PSD para os nossos males tem como eixo principal do OE 2011 a desvalorização dos salários e do trabalho e o mais profundo golpe assestado no exíguo Estado Social tardiamente edificado em Portugal, tudo em nome da competitividade face ao capitalismo global. Como se o retrocesso social e laboral fosse caminho para mais emprego, mais desenvolvimento e mais qualidade de vida.

Dois pesos e duas medidas: fracos com os fortes, fortes com os fracos!

Em nome da compressão da despesa pública, vão ser reduzidos os salários de centenas de milhar de trabalhadores da função pública. Vão ser congeladas as pensões de reforma e agravada a tributação fiscal dos reformados. Estão previstos cortes brutais no orçamento da Saúde, o mais sacrificado (menos 12,8%), na Educação, na Segurança Social e novos cortes no “rendimento mínimo” (-20%), nos abonos de família (-22,1%), nos subsídios de desemprego (-6,9%), na Acção Social (-5,5%). Mas o Governo PS e o PSD continuam a recusar-se a taxar a fuga de capitais para os paraísos fiscais, a aplicar o IRC de 25% aos bancos, a cobrar mais-valias pelas operações bolsistas das SGPS. E não hesitaram em dar o aval do Estado à CGD para enterrar no buraco do BPN 4 600 milhões de euros, que acabarão por ser também pagos pelos contribuintes.

O desemprego já ultrapassa a previsão do Governo para 2011 – os últimos números oficiais referem 10,9%, que de facto, incluindo os que desistiram ou não (procuraram emprego, atinge os 12,9% (721000 desempregados) -, sendo que mais de metade dos desempregados vivem esse drama há mais de um ano. 30% dos trabalhadores têm contratos precários. A pobreza (20% dos portugueses) está a aumentar no país mais desigual da Europa.

Em contraste, se forem consideradas as 14 grandes empresas portuguesas cotadas no PSI-20 da Bolsa de Valores de Lisboa, estas apresentaram lucros globais de 1890 mihões de euros apenas no primeiro semestre deste ano. Nos nove primeiros meses deste ano, os cinco maiores bancos (CGD, BCP, BES, BPI e Santander Totta) apresentaram 1229 milhões de euros de lucros, a EDP 774 milhões, as seguradoras 272 milhões (os maiores lucros dos últimos três anos) e a PT oferece aos accionistas o dividendo mais elevado de todas as grandes empresas na Europa (quase 23% de retorno). Todavia, o IRC cobrado desceu, segundo números oficiais, 2,7%, enquanto a fuga de capitais portugueses para os paraísos fiscais aumentou 14% no ano passado, estando aí depositados pelo menos 17 000 milhões de euros que certamente reduziriam bastante as necessidades de Portugal quanto a financiamento externo, público e privado.

É preciso não vergar perante a chantagem e as ameaças do discurso dos poderosos!

A chantagem a que diariamente estamos sujeitos pelos governantes, pelo poder económico-financeiro e pelos seus comentadores e analistas de serviço de que ou este Orçamento 2011 passa ou sofremos o dilúvio, de que não existe alternativa, exige uma resposta e uma oposição firmes. Como não podemos ceder à voz grossa dos grandes patrões da finança e dos interesses que, sempre prontos a sacar apoios e dinheiros do Estado e a transferirem o risco para este (veja-se o escândalo das parcerias público-privadas), agora vêm para os média ameaçar que, se lhes tocam nos desmesurados privilégios e fortuna, vão investir para outro lado.

Que moral e que credibilidade merecem os que agora nos sujeitam a esta ladainha, quando são os mesmos que há cerca de três décadas nos pregam sempre o caminho da austeridade e do sacrifício em nome de um futuro que nunca chegou, e que conduziu o País a este desgraçado estado para benefício duma minoria? Como se atrevem agora a declarar que não há alternativa às suas receitas, quando estas são forjadas por um bloco central de interesses em que ministros e administradores de empresas se vão revezando e trocando lugares e favores à custa da maioria, num casamento promíscuo e escandaloso entre poder político e grandes negócios?

Porque recusa o Governo debater as medidas alternativas propostas?

Porque continuam PS e PSD a assobiar para o lado relativamente a numerosas medidas que partidos à esquerda (BE e PCP), sindicatos, movimentos sociais, economistas e outros cientistas sociais (não os que têm assento regular nas televisões), têm proposto, são exequíveis, e permitiriam uma mais justa e equitativa repartição de sacrifícios e de rendimentos e permitiriam abrir caminho à recuperação sustentada da economia e do emprego?

Apenas lembramos aqui algumas dessas medidas de que PS, PSD e os grandes interesses económicos têm fugido como o diabo da cruz:

- Tributação das transferências de capitais para os paraísos fiscais;
- Tributação das mais-valias bolsistas das SGPS;
- Imposto especial sobre os lucros das grandes empresas e taxação especial das grandes fortunas e dos mais elevados rendimentos;
- Simplificação da fiscalidade sobre os rendimentos do trabalho e redução das deduções fiscais apenas às socialmente justificáveis, como com as relativas a despesas com saúde ou educação;
- Tributação da operação de venda pela PT da brasileira Vivo (só esta tributação poderia render cerca de 1000 milhões de euros);
- Medidas legais para impedir as operações ditas de “planeamento fiscal” com que empresas querem antecipar distribuição de dividendos e fugir ao pagamento de impostos (lembramos que em 2008, dois terços das empresas não pagaram sequer IRC);
- Auditorias rigorosas a institutos, fundações, empresas municipais, para verificação da sua gestão, finalidades e utilidade;
- Corte das consultorias jurídicas pela melhor utilização dos recursos do Estado;
- Reavaliação e renegociação das parcerias público-privadas com que os Governos do PS e do PSD (desde Cavaco Silva, com o ruinoso acordo da PPP da Lusoponte), segundo dados de finais de 2009 relativos às PPP constituídos e projectadas, onerariam os encargos do Estado em cerca de 50 000 milhões de euros, e fim da utilização deste modelo de investimento em que o Estado e os contribuintes arcam com a responsabilidade dos prejuízos e o capital privado tem sempre lucros garantidos;
- Aplicação efectiva do “orçamento de base zero” em todos os serviços da Administração Público, como modelo de elaboração do Orçamento de Estado;
- Defesa firme pelo Governo português de a União Europeia emitir títulos de divida pública para apoiar os países com economias mais frágeis e a possibilidade de o BCE financiar directamente a dívida publica dos Estados-membros, em vez de os obrigar a ir ao mercado bancário pagar empréstimos a juros muito mais elevados, enquanto os bancos podem endividar-se junto do BCE a taxas mais baixas.

Existem, pois, alternativas.
Exigem, porém, outra orientação, outro orçamento, outros actores políticos, outras medidas. Que não fujam à necessidade de reparar as consequências dos erros da governação passada, respondendo ao problema do défice e da dívida. Mas com políticas que assegurem o apoio à economia real e não a submissão ao capital financeiro que a tem sugado. Que garantam uma distribuição equitativa dos sacrifícios, o que significa mais justiça fiscal e fazer pagar mais o capital financeiro e os grandes negócios e fortunas, e não os que trabalham e os que pouco ou nada têm. Que protejam o Estado Social e a sua sustentabilidade, a qualidade e a gestão rigorosas dos serviços públicos, como elementos essenciais para o presente e para o futuro de uma sociedade mais democrática e menos desigual através das suas políticas redistributivas, recusando o retrocesso civilizacional para lógicas assistencialistas e caritativas. Que exijam uma mudança de rumo da União Europeia, cortando com a lógica neoliberal que está a ameaçar seriamente o seu futuro como projecto de coesão política e social no espaço europeu.

Greve Geral, Sim! Este Orçamento de Estado, Não!

A Greve Geral convocada pela CGTP e pela UGT para o dia 24 de Novembro constitui uma grande afirmação colectiva de que os trabalhadores e todos quantos estão a ser espezinhados nos seus direitos e nas suas vidas por esta aliança dos poderosos estão determinados a exigir que os seus direitos sejam parte da política futura.

Uma poderosa demonstração de que não estão dispostos a ser continuadamente a carne para canhão de que se alimenta o apetite insaciável e predador da grande finança e dos grandes interesses económicos, que querem transformar a profunda crise de que são causadores em oportunidade de acumulação de mais riqueza através do agravamento da pobreza, das desigualdades e da desvalorização do trabalho.
Um protesto massivo contra os que querem responder aos problemas do país através das receitas neoliberais que romperam o compromisso social em que se fundaram as democracias liberais do pós-guerra na Europa (e que em Portugal foi mais tardiamente assumido após a queda do fascismo) e fazendo regredir o trabalho, o salário e os direitos sociais para assegurarem a acumulação e a reprodução do grande capital financeiro e da economia de casino global, não hesitando em sacrificar a economia real, os recursos naturais e em agravar a pobreza e as desigualdades.

A Greve Geral de 24 de Novembro será certamente uma afirmação massiva do mundo do trabalho, com a solidariedade activa dos desempregados, reformados, humilhados e ofendidos deste país, de que existem alternativas e que um mundo melhor e mais justo é possível.

A ATTAC Portugal está com a Greve Geral e acredita que ela constituirá uma semente de futuro para alimentar o empenhamento e a participação solidários no combate por outra política e outro rumo para as nossas vidas!

Lisboa, 22 de Novembro de 2010.
A Direcção da ATTAC Portugal

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ESPECTÁCULO DA GREVE GERAL MUDOU DE ESPAÇO: É NA PRAÇA DA FIGUEIRA




A Câmara Municipal de Lisboa só ontem se lembrou que já tinha cedido o Rossio para outras iniciativas incompatíveis com a montagem de um espectáculo. Acabou por nos ceder a Praça da Figueira. É lá que nos juntaremos no final do dia da greve geral para saudarmos o que esperamos venha a ser uma grande jornada de luta! É verdade que haverá dificuldades com os transportes — tente uma boleia! O Jorge Palma, o Camané, o José Mário Branco, o João Gil, o Rui Curto, o Paulo Ricardo, e muitos outros lá estarão a lembrar-nos que às vezes a cantiga é uma arma! Viva a Greve Geral!

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Para Uma Nova Economia: ideias para uma alternativa

Foi preparada e divulgada pelo Grupo de Trabalho "Economia e Sociedade" da Comissão Nacional Justiça e Paz, que tem dinamizado interessantes e valiosas iniciativas de reflexão sobre a economia e o mundo do trabalho, um manifesto "Para Uma Nova Economia", que está publicado para subscrição pública, sob a forma de petição, no endereço http://www.peticaopublica.com/?pi=NovaEco .

Vale a pena ler e subscrever este documento de reflexão que apresenta análises e propostas alternativas ao destino fatal da recessão, do desemprego e da desigualdade, para que todos os dias nos querem empurrar o Governo, o bloco central de interesses PS/PSD (com uma mãozinha do CDS) e os comentaristas ao serviço do seu "plano inclinado".

Aqui fica um extracto deste manifesto:

"Apresentamos esta tomada de posição pública no momento em que acaba de ser aprovada a política orçamental para 2011. Como todos reconhecem, as medidas adoptadas têm carácter recessivo. Mesmo que no curto prazo, permitissem conter a especulação financeira sobre a dívida externa e as necessidades de financiamento do Estado e da economia portuguesa, tal política, só por si, não abriria caminho ao indispensável processo de mudanças estruturais de que o País carece para alcançar um desenvolvimento humano e sustentável a prazo. Importa responder no curto prazo visando e construindo o longo prazo.
Reconhecemos que é necessária e urgente uma mudança profunda no paradigma da economia nacional, mas também europeia e mundial. Estamos todos envolvidos na busca de soluções. Os economistas em particular têm a responsabilidade de contribuir para encontrar respostas para os desafios da transição que marcam o mundo contemporâneo e, de modo particular, o nosso País.
A crise tem carácter sistémico e dimensão global, com contornos específicos na Zona Euro, traduzindo-se em maior pobreza, desemprego, crescentes desigualdades de riqueza e rendimento, baixa propensão ao investimento e fraco dinamismo da produção.

Raízes da crise:

Presentemente, estão identificadas as raízes dos problemas: a globalização desregulada fruto da imposição de uma ideologia neoliberal que exalta o mercado e subestima o papel do Estado na economia; o predomínio dos interesses financeiros sobre toda a economia; a especulação financeira que sobrevaloriza objectivos de lucro no curto prazo; o desrespeito por elementares princípios éticos; a desconsideração de objectivos de coesão social e sustentabilidade ambiental; o enfraquecimento do papel dos Estados nacionais sem que se tenham criado mecanismos políticos supranacionais à altura.
A teoria económica permite fundamentar a denúncia de alguns dos falsos pressupostos subjacentes às opções de política económica que originaram a crise. Existe um pensamento económico alternativo que não pode mais continuar bloqueado e passar despercebido dos meios de comunicação social e na opinião pública. Há que abrir espaço a correntes teóricas com propostas diferentes, que precisam de ser debatidas.

(...)

As políticas que preconizamos:

A presente crise não se resolve com cortes nos salários, pensões ou redução da provisão de bens públicos (saúde, educação, prestações e serviços sociais), nem com maior tributação dos consumos populares e consequente redução do poder de compra dos estratos sociais menos afluentes. Ao invés, as chamadas “medidas de austeridade”, que vêm sendo preconizadas e, de algum modo, impostas pelas instâncias comunitárias, podem acentuar a crise e contribuir para menor crescimento da economia, mais desemprego e, indirectamente, maior desequilíbrio das contas públicas ..." (ler o texto integral aqui).

Henrique Sousa, da Direcção da ATTAC Portugal

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O desnorte governativo, o erro de casting e a importância da unidade de acção sindical

No Prós e Contras desta segunda-feira, discutiu-se a "Greve Geral - Os Ganhos e Perdas". E foi penoso ver uma senhora, que foi secretária-geral adjunta da CES (Confederação Europeia dos Sindicatos) e agora exibe o título de Ministra do Trabalho e da Solidariedade Social deste Governo, mostrar o vazio do seu pensamento político, refugiando-se em generalidades para disfarçar a sua completa incapacidade de explicar e justificar o naufrágio da política governativa. Nem com a ajuda prestimosa da habitual moderadora situacionista de serviço, Fátima Campos Ferreira, sempre diligente a dar a mão ao Governo e a passar todas as culpas das medidas anti-sociais para as costas da União Europeia, conseguiu apagar a ideia de que é mais um náufrago sem bússola num governo à deriva.

Foi particularmente edificante ver esta ministra a titubear a sua incapacidade e falta de convicção para justificar os cortes salariais, a sua legalidade e constitucionalidade, se são temporários ou definitivos, ou mesmo a intenção do Governo os estender aos trabalhadores sujeitos a contratos de trabalho do sector privado (como as empresas do sector empresarial do Estado), tendo de se esconder atrás das declarações do Ministro das Finanças, à míngua de argumentos. Além das ajudas da moderadora, nem sequer conseguiu apoio às políticas do Governo dos conferencistas que supostamente estariam do seu lado.

Duas lições desta vez foram claras neste programa, normalmente viciado e favorecedor do bloco central e do pensamento único dominante (ou seja, do "plano inclinado"...):

- Nem sequer os oradores que supostamente estariam nas áreas políticas apoiantes dos PEC e deste Orçamento anti-social, se atreveram a estar ao lado da Ministra e do Governo (só a moderadora se prestou a isso, com as suas dicas), tão indefensável ela é em campo aberto e em debate público;

- A convergência de Carvalho da Silva e de João Proença nas suas intervenções e denúncias fundamentadas e conhecedoras do mundo do trabalho, demonstrou como a unidade de acção sindical expressa na convocatória conjunta da Greve Geral pela CGTP e pela UGT é o caminho necessário para enfrentar esta política desastrosa e sem saída, para elevar a esperança de quantos acreditam para obrigar a uma mudança de rumo na governação.

Saiu claramente derrotado neste debate o Governo e quantos apoiam esta caminhada para a recessão e o desemprego, para benefício dos poderosos do costume, internos e externos. Ganharam claramente os sindicatos, os trabalhadores e quantos se batem por uma mudança de rumo na governação, que aposte na mais justa repartição da riqueza e numa maior equidade na repartição dos sacrifícios.

Quanto a esta Ministra do Trabalho e Solidariedade Social, ficou a saber-se que não existe e não fará história. Quando passou de sindicalista a ministra, deu um passo maior do que a perna ao passar para o campo do poder e estatelou-se. É um erro de casting. Uma simples e fraca porta-voz de um Ministro das Finanças também desorientado, ele próprio cada vez mais desacreditado e afundado nas contradições do seu discurso e no sucessivo incumprimento de compromissos e previsões. Sócrates tem o governo que merece, à sua imagem e semelhança.

Os trabalhadores e o País é que merecem mais e melhor. Que a Greve Geral nos dê força e esperança para os combates do futuro por uma alternativa que valha a pena.

Henrique Sousa, da Direcção da ATTAC Portugal

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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Comunicado ATTAC sobre a Cimeira da NATO

CIMEIRA DA NATO

2010 não era o ano europeu de luta contra a pobreza e a exclusão social?

20 de Novembro de 2010 vai ficar na história do mundo como o dia em que Portugal foi o palco do maior conclave das potências ocidentais para tratarem da segurança dos investimentos financeiros especulativos, do controlo das fontes de matérias primas e rede da sua distribuição, da garantia que nada de novo poderá surgir no mundo que não esteja debaixo do seu controlo. Isso através de meios militares como dissuasão e de meios militares como agressão efectiva onde quer que considerem que o mundo não está em vias de obedecer.

Para tal, a NATO, em tempo de crise sem paralelo, tem um orçamento para despesas operacionais e administrativas de 2 milhões de milhões de euros ou seja 2 biliões de euros.

Portugal dispende aproximadamente 2200 milhões de euros para a pasta da defesa. Uma nação que não tem dinheiro para a saúde, para o ensino e a segurança social, que está a liquidar os serviços públicos e a endividar-se para poder pagar despesas já realizadas, que não está em condições de prevenir adequadamente, assistir em tempo útil e de resolver com o menor prejuízo aceitável os grandes desafios colocados anualmente pelas catástrofes naturais ou provocadas, gasta milhões com tropas no estrangeiro para poder dizer ao mundo que pertence ao círculo das potências predadoras.

Mas o mesmo se passa com essas mesmas potências, donas do mundo, que não conseguiram até hoje impor a taxa Tobin, 0,1% sobre as transacções financeiras, o que daria para acabar com a pobreza.

Independentemente das alegações da NATO, bastariam estes factos para a tornar num inimigo do bem estar dos povos e da democracia.

O chamado novo conceito estratégico a discutir este fim de semana em Lisboa não passa de uma farsa como aquelas a que os EUA, senhores incontestados do comando dos exércitos unidos para a predação mundial, nos têm habituado até ao crime mais abjecto da mentira para justificar uma guerra brutal como foi o caso do Iraque.

Trata-se de auto-atribuir-se a capacidada jurídica, moral e efectiva de invadir, destruir, ocupar, matar e impor deslocações forçadas de milhões de vítimas das guerras, onde quer que considerem conveniente colocando a ONU no papel humilhante de se arrastar atrás a avalisar o facto consumado.

As novas ameaças a que a NATO se atribui a missão de enfrentar, para justificar uma existência já sem razão de ser desde o fim da guerra fria, são inquetionavelmente do âmbito da sociedade civil: terroristas só as polícias e os serviços de informações é que os apanham. Crimes cibernéticos não se combatem com porta-aviões nem mísseis nem soldados no terreno, combatem-se com técnicos especializados nas polícias. Catástrofes ecológicas pertencem ao âmbito da protecção civil, e a necessidade de recorrer às forças armadas só decorre do desvio dos meios materiais, humanos e financeiros para a guerra e não para a protecção civil.

A ATTAC vem, pois, no seguimento das posições que tem assumido, lamentar que Portugal seja anfitrião do conclave ameaçador sobre todo o mundo, seja a sede onde se vão acertar as contas da segurança dos muito ricos e traçar o destino de mais miséria para os povos do mundo.

A ATTAC apela, pois, à participação dos seus associados, apoiantes e população em geral, na manifestação que terá lugar dia 20 a partir das 15 horas com início no Marquês de Pombal ao longo da Avenida da Liberdade. Será um veemente apelo à PAZ e uma condenação sem reticências das políticas de guerra e de fome no mundo que são, por isso, inimigas da própria democracia.

18 de Novembro de 2010

ATTAC Portugal

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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

ESPECTÁCULO DA GREVE GERAL

Às 17h30 no Rossio, em Lisboa.

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segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O regresso da Questão Social e uma raiva a nascer-nos nos dentes…

Só os cortes previstos no Orçamento de Estado para 2011 nos subsídios aos desempregados e aos beneficiários do rendimento social de inserção devem traduzir-se numa diminuição de 10% comparativamente com a despesa com estes apoios sociais estimada para este ano. Ou seja, um corte de 276 milhões de euros.

Os accionistas da Portugal Telecom, porém, não se comoveram com a crise. Decidiram atribuir a si próprios uma distribuição extraordinária de dividendos (ou seja, além dos muitos milhões de dividendos ordinários) de cerca de 1 500 milhões de euros, assim distribuída: 897 milhões em Dezembro deste ano e mais 583 milhões em Abril de 2011. Deste modo, antecipando-se ao agravamento da tributação prevista para 2011, o pagamento de quase 900 milhões de dividendos extra ainda este ano rouba ao Estado 260 milhões de euros em impostos que poderia cobrar em 2011 se essa distribuição de dividendos não fosse antecipada.
O Estado é assim espoliado no valor equivalente, só nesta operação, ao que vai tirar aos desempregados e aos mais pobres entre os pobres em 2011.
O reverso desta miséria política está nesta notícia de jornal sobre o quotidiano dos humilhados e ofendidos num Centro de Emprego:

Jornal Correio da Manhã, 6 Novembro: "Pouco passava da uma da madrugada quando Erica se dirigiu para a porta do Centro de Emprego de Portimão. Apesar de ser tão cedo, já só conseguiu ficar no 74º lugar da fila de desempregados, que foi crescendo ao longo da noite."
O capital e os especialistas fiscais que os ajudam nestas operações, com a complacência de um bloco de interesses PS/PSD para o qual já não existe complacência nem palavras, chamam a estes procedimentos “planeamento fiscal”. Para nós, é roubo legalizado!

Que fez o Governo para evitar isto? Nada!

Apenas lágrimas de crocodilo de Sócrates e Teixeira dos Santos que vieram para a imprensa lamentar a decisão em Assembleia Geral dos grandes accionistas da PT, que teve o apoio do segundo maior accionista, o banco público - a CGD. Quando o Governo conhecia antecipadamente, como é natural, o que ia ser decidido. Mas o Governo apenas deu “convenientemente” instruções à CGD para votar contra um dia depois da Assembleia Geral que votou a decisão, notícia publicada na imprensa e que não foi sequer desmentida. Palavras, para quê? Nem vergonha, nem pudor.

Usou ao menos este Governo a golden share (o pacote de acções com direito de veto que detém) com que “patrioticamente“ ameaçou, invocando o interesse nacional, quando da operação da venda pela PT da brasileira Vivo à espanhola Telefonica? Nem isso. Aliás, quando essa operação se realizou, o interesse nacional morreu logo na praia, mal a Telefonica subiu a parada e ofereceu aos accionistas da PT 7500 milhões de euros pela compra de operadora de telecomunicações móveis brasileira. E é preciso recordar que o Estado também não tributou sequer esta operação financeira e que o dinheiro foi todo para a PT?

Para finalizar com chave de ouro esta ópera bufa da promiscuidade entre governantes e negociantes, lembra-se o que foi também publicitado na imprensa: o lucro da PT em 2010 atingiu, nos primeiros 9 meses do ano, os 5 618 milhões de euros!!!

Só consigo acabar esta estória ilustrada da miséria destas elites políticas e económicas que todos os dias falam da “coragem” e da “determinação” com que nos apertam o cinto, lembrando-me de Sérgio Godinho a cantar “…E uma raiva a nascer-te nos dentes…”. Depois, admirem-se da revolta dos comuns...
Henrique Sousa, da Direcção da ATTAC Portugal

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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Para restabelecer a sanidade na política: obrigado, Jon Stewart!

Bem hajas, Jon Stewart, por teres convocado o comício cidadão com 250 000 participantes, em Washington, para "restabelecer a sanidade" na sociedade norte-americana, profundamente fracturada e sujeita ao assalto da nova versão fundamentalista e sectária da extrema-direita abrigada à sombra do movimento "Tea Party". Uma grande manifestação de cidadãos comuns, não contra os partidos, mas por uma democracia saudável (ver imagens e notícias aqui e aqui e uma notável selecção de cartazes dos participantes aqui).

Claro, sou suspeito. Sou um grande apreciador do Daily Show, de Jon Stewart, que promove uma bem humorada, notável e quotidiana reflexão crítica sobre a política e a sociedade norte-americanas, combatendo quer a a captura dos Republicanos pela extrema-direita religiosa e xenófoba, quer a cobardia, a cedência, o comprometimento com os grandes interesses e a falta de palavra de que os Democratas dão provas, quer a manipulação maniqueísta e primitiva do espaço público e dos média, de que a Fox News e os fundamentalismos religiososos são exemplos maiores. Em nome da necessidade de nos sabermos ouvir uns aos outros, porque só temos este planeta para (sobre)viver.

Jon Stewart não é sequer um radical de esquerda (no sentido de ser da esquerda transformadora e ir à raiz das coisas). Mas é um observador participante, crítico e lúcido da realidade norte-americana e fartou-se do espectáculo deplorável fornecido pelas elites do establishment, sem escrúpulos, sem palavra e cada vez mais medíocres. As quais dominam o espaço público e exploram em seu benefício as angústias, os medos e a insegurança de cidadãos apanhados no tsunami da crise, da insegurança, do desemprego e das incertezas do mundo. Cidadãos que se tornam presa fácil da incultura primitiva e interesseira das Sarah Palin & Cª e dos movimentos fundamentalistas de extrema-direita, que oferecem respostas primárias e irracionais servindo à maravilha os interesses da elite do aparelho financeiro/militar/industrial e desviando as atenções das suas responsabilidades essenciais na crise financeira e económica que desencadearam e de que são directos beneficiários. Afinal, já o poder romano tinha aprendido que "pão e circo" e a divisão dos oprimidos ajudavam muito a proteger a continuidade do sistema.

Como observou lucidamente Chomski nas suas intervenções nas conferências que realizou em Paris (reportadas pelo Le Monde Diplomatique - ed. portuguesa de Julho; ver aqui uma das suas intervenções), as pessoas atraídas pelo movimento Tea Party sofreram ao longo dos últimos 30 anos de transformação neoliberal do capitalismo e não compreendem necessariamente porquê. Trabalhadores, cristãos, tendo estado no serviço militar, tendo feito tudo o que lhes foi exigido, de repente enfrentam o desemprego, a execução das hipotecas do crédito à habitação, sentem as suas vidas a desmoronar-se, os valores que lhes são caros a desaparecer, enquanto os dinheiros públicos são destinados à salvação dos banqueiros. Como diz Chomski, "São preocupações autênticas. Estão talvez mal formuladas, mas são perfeitamente justificadas. E não serve de nada ridicularizá-las. Estas pessoas são precisamente aquelas que a esquerda devioa organizar. Mas não o faz."

Jon Stewart provou com a sua iniciativa que existe ainda uma grande e lúcida força cidadã no coração do império, portadora do melhor da herança da cultura popular, da solidariedade, da participação e do pensamento crítico na sociedade norte-americana, que não desiste de combater contra o preconceito sectário e primário, pela racionalidade, pela pluralidade, pelo debate político esclarecido e pela tolerância, como fundamento das escolhas políticas numa sociedade democrática.

Oxalá a esquerda norte-americana, também a europeia e a portuguesa, tirem as necessárias lições deste evento. Antes que seja tarde. Porque o espectro da intolerância, da xenofobia e do racismo, misturado com a exploração demagógica da "libertação" dos cidadãos da tutela do Estado capturado pelos interesses, também assombra a Europa e está aqui a cativar perdedores da crise e camadas médias assustadas e receptivas a explicações fáceis para problemas difíceis.

E em Portugal?

Quando tomamos a iniciativa cidadã de nos mobilizarmos para restabelecer a saúde política e social desta democracia profundamente flagelada pelo bloco central de interesses responsável da crise, seu directo beneficiário e promotor dos PECs que a vão agravar?

Ou vamos permitir que alguma coisa mude (de Sócrates para Passos Coelho) para que tudo continue na mesma, ou pior?

(Henrique Sousa, da Direcção da ATTAC Portugal)

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