domingo, 27 de fevereiro de 2011

Relato Directo de Wisconsin


Mensagens de apoio benvindas, lá onde a história está a começar a mudar. 

O Ian J Pell é professor na Universidade de Wisconsin-Madison, e tem participado activamente nos protestos. Pedi-lhe um relato pessoal do que se está a passar, e eis o que ele escreveu:

Olá, Mariana,
Os protestos por aqui são absolutamente inacreditáveis. Na rua, a atmosfera é de total convergência nos sentimentos perante o Governador… as pessoas estão chocadas, furiosas, indignadas. Mas os níveis de respeito e até celebração são incríveis. Os protestos no edifício do Capitólio estão muito bem organizados e são quase totalmente autopoliciados pelos participantes. A polícia até já elogiou os manifestantes mais do que uma vez, porque em duas semanas de protestos crescentes não houve um único incidente ou detenção. As manifestações à porta do Capitólio trazem-me à memória imagens antigas dos sindicatos e dos colectivos a manifestarem-se em Espanha durante a República, antes da guerra civil. As pessoas vêm com as roupas de trabalho, com faixas a dizer "Canalizadores Local 131", "Bombeiros de Green Bay Local 777", etc. Os aplausos repetem-se, sobretudo quando diferentes grupos profissionais se juntam aos protestos. A polícia também está organizada, apesar de o Governador os ter deixado de fora, para tentar dividir os sindicatos. Mas ao invés eles têm-nos apoiado desde o princípio, e o respeito mútuo entre os manifestantes e a polícia é verdadeiramente fantástico. Quando o Governador anunciou que o edifício do Capitólio estaria fechado ao público a partir das 6 da tarde no sábado, o chefe da polícia recusou, e em vez disso um grupo de polícias (e de bombeiros) foi lá ter para passar a noite com os manifestantes.
Mas apesar disto tudo, a mensagem que passa para o resto do estado e do país (graças ao Rupert Murdoch e à Fox News) ainda é sobretudo a de que Madison está nas mãos de hippies, marginais e parasitas. Por quanto tempo esta ideia se vai manter na era do Youtube e das mensagens de vídeo instantâneas é a questão fulcral. As salas de reunião do Capitólio foram ocupadas por estudantes, que estão a tentar contrariar esta imagem de todas as formas.
Temos conseguido participar nos protestos quase todos os dias (o meu filho tem lá estado mais do que qualquer um de nós, porque vai com ambos), mas temos de ser realistas a gerir as sestas e as refeições (para além de continuar a trabalhar, para poder dizer com orgulho que não sou um marginal parasita e preguiçoso…). Também tenho tentado ajudar os meus alunos de todo a mundo a perceber o que se está a passar. Digamos que a minha sensibilidade é que isto está longe do fim — mesmo que ele consiga enfiar-nos a lei pela garganta abaixo, isso não significa, nem de perto nem de longe, que a coisa acabe. Para começar, os votos têm de ser validados pelos sistemas judicial e constitucional (e com o departamento de Direito da principal universidade pública do país a fervilhar de contestação, imagino que se levantem algumas objecções…). O próprio Governador, que é um filho-da-mãe arrogante que acha que é o próximo Ronald Reagan (e acha que isso é bom — ouviram as chamadas a gozar?), vai ter de enfrentar um "recall político" que o pode tirar do poleiro exactamente um ano depois de tomar posse — em 3 de Janeiro de 2012, para ser exacto.
Mas o mais importante é que isto incendiou uma quantidade de gente que de outro modo talvez não se importasse muito com a ameaça (real) de um reaparecimento dos republicanos de direita do Tea Party nas eleições de 2012. Há agora um grupo extraordinariamente diversificado de pessoas empenhadas em lutar contra isso, e penso que o panorâma político não vai voltar a ser o mesmo de há um mês. Talvez tenhamos tido sorte (o país, não o estado) por a direita ter posto das garras de fora tão cedo — é a melhor maneira de os combater.
Bem, é esta a minha avaliação. Estamos a fazer história aqui em Madison. Estejam à vontade para partilhar isto ou qualquer outra das minhas mensagens com quem quer que esteja interessado. E continuem a enviar-nos mensagens de apoio. Há cartazes de todo o mundo no Capitólio, e nós ficamos sempre extremamente gratos.


Mariana Avelãs
(Direcção da ATTAC Portugal)

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