quarta-feira, 7 de julho de 2010

PT: interesse público, questão política, ou apenas um problema jurídico?

Por uma vez, estamos de acordo com José Sócrates na sua crítica "às posições ideológicas ultraliberais da Comissão Europeia" a propósito da queixa apresentada por esta contra o Estado português pela utilização pelo Governo dos direitos especiais contra a investida imperial da Telefónica na PT.

A ridícula resposta de Durão Barroso (ver aqui), no seu papel de notário diligente e servil dos interesses dominantes e procurando tapar o sol e a evidência com uma peneira, ao declarar que a questão é apenas jurídica, "não é política e muito menos ideológica", deu-nos pelo menos uma boa notícia:

Ao pretender justificar a sua condição de zelota da ortodoxia neoliberal comunitária, informou que a Comissão Europeia já apresentou queixa contra 7 outros Estados-membros (Espanha, Alemanha, Bélgica, França, Holanda, Reino Unido, Itália) por razões semelhantes.

Mostrou assim que Portugal não está sozinho. Pelo menos nesta matéria, habituados que estamos aos últimos lugares, ocupamos o pelotão da frente da Europa! Afinal, quando toca a defender os interesses domésticos, os mais poderosos não fazem diferente e a invocada liberdade de circulação do capital predador até pode exigir limites.

Só é pena que Sócrates, cuja retórica tanto explora agora a defesa do interesse nacional e do Estado social, em confronto verbal com esse novo campeão do ultraliberalismo em Portugal que é Passos Coelho, não seja consequente e coerente, na sua orientação governativa, com este uso pontual pelo Governo dos direitos especiais do Estado enquanto accionista da PT. Ou teria que denunciar também as medidas anti-sociais que tomou, o PEC 1, o PEC 2 e o mais recente PEC 3, deixar de exaltar o lamentável Tratado de Lisboa com que Durão justifica as suas acções. Ou este caso da PT não passará dum incidente ou moeda de troca para que, mudando algo, tudo fique na mesma (mal).

O Governo deveria também extrair a consequência lógica desta guerra dos "mercados" e dos seus comentadores de serviço contra a decisão do Governo - voltar atrás na irracional política de privatizações anunciada, que agravam a prazo e não resolvem o problema do défice e da dívida, encarar seriamente a existência de empresas públicas nas áreas estratégicas dos bens públicos, queira ou não queira a UE. Ou vai limitar-se a pequenos actos de guerrilha, entradas de leão e depois compromissos de sendeiro, hoje na PT, amanhã na Galp ou na EDP, onde terá que lidar com problemas parecidos?

Também a saúde do Estado e dos negócios públicos melhoraria se o Governo socrático aprendesse com este episódio e abandonasse más companhias (como o BES e a Ongoing) enriquecidas à sombra da "situação" e que já mostraram, na sua reviravolta na PT logo que farejaram dinheiro graúdo, que o capital não tem pátria e que a defesa de centros de decisão nacional só serve para vagos e bem-pensantes manifestos de gestores prontos a alienar o negócio e a nacionalidade quando a fortuna lhes bate à porta. Os exemplos são abundantes.

Mas fica também uma outra conclusão moral e política deste episódio da PT: a condenação da hipocrisia de quantos (Sócrates,Cavaco Silva, outros dirigentes do PS, PSD e CDS-PP), quando Durão Barroso se pisgou para Bruxelas, abandonando o barco do Governo a meter água, elogiaram a sua nomeação por ser uma "honra" e do "interesse nacional" ter um português como Presidente da Comissão. Lembram-se? Viu-se!

Nota: a obra de arte utilizada é de Warhol ("Cifrão"), 1982.

(Henrique Sousa, da Direcção da ATTAC Portugal)

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