quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Diz-me, espelho meu, há alguém melhor para Presidente do que eu?

Finalmente, o candidato que antes de o ser já o era, declarou-se ao País. Repetindo o cenário e muitos figurantes da declaração de candidatura de Outubro de 2005. Com um discurso que não fará história pela grandeza do conteúdo. Recheado de auto-elogios. Invocando sempre a superioridade da sua experiência e conhecimentos para a salvação nacional. Não hesitando em recorrer à demagogia fácil, deselegante e deslocada num discurso de candidatura, sobre a utilização dos cartazes na campanha como modo de condicionar as outras candidaturas. Como se não tivesse a superioridade do uso do cargo e do poder, como os mais eficazes instrumentos de campanha.

A sua intervenção teve, todavia, uma pérola discursiva que deve ser registada para a posteridade. Confessou aos portugueses, sem o querer e em jeito de auto-elogio, que é um dos responsáveis maiores das alhadas em que o País se tem afundado cada vez mais nos últimos anos. Disse:

"Portugal encontra-se numa situação difícil. Mas há uma interrogação que cada um, com honestidade, deve fazer: em que situação se encontraria o País sem a acção intensa e ponderada, muitas vezes discreta, que desenvolvi ao longo do meu mandato?
O que teria acontecido sem os alertas e apelos que lancei na devida altura, sem os compromissos que estimulei, sem os caminhos de futuro que apontei, sem a defesa dos interesses nacionais que tenho incansavelmente promovido junto de entidades estrangeiras?
Sei bem que a minha magistratura de influência produziu resultados positivos. Mas também sei – e esta é a hora de dizê-lo – que podia ter sido mais bem aproveitada pelos diferentes poderes do Estado.
"

Sem ele, teria sido o dilúvio ou o dilúvio foi com ele?

Ora nós não esquecemos o que prometeu há 5 anos. Afirmou ser o mais bem preparado, como economista e pela sua experiência política, para ajudar o País a reencontrar “o caminho do progresso e melhoria das condições de vida dos portugueses” e contribuir para “melhorar o clima de confiança, para o reforço da credibilidade e para vencer a situação muito difícil em que o país se encontra”. Deu dos seus poderes presidenciais e capacidades pessoais uma visão messiânica e sebastianista.

Quanto ao estado do País e às dificuldades da vida da maioria dos portugueses, cinco anos depois, estamos conversados.

Está à vista de todos como foi importante para a nossa salvação colectiva a eleição presidencial de um ex-Primeiro Ministro que iniciou em Portugal (1985-1995) a estratégia do betão e de favorecimento da grande finança e dos grupos económico-financeiros, depois continuada com farto proveito para alguns por outros governos do PS e PSD/CDS, e acabando na tragédia actual.

Quanto à sua actuação concreta nestes cinco anos, a fotografia não coincide com a imagem que de si pintou para justificar mais cinco anos em Belém.

O escândalo mal explicado e mal contado das escutas telefónicas. A ausência no funeral do Prémio Nobel da Literatura, confundindo representação justificada do Estado com ódios de estimação. A oposição conservadora (mas derrotada) à legalização da interrupção voluntária da gravidez, à legislação sobre o divórcio e ao casamento dos homossexuais. A entrada de leão em relação ao Estatuto autonómico dos Açores e a saída de sendeiro face à insolência e ao autoritarismo despesista de Jardim na Madeira. A sua confessa admiração por governos de coligação do bloco central de interesses que informalmente já há muito nos domina. A falta de explicação devida pela suspeita de favorecimento indevido num negócio de acções da SLN, ligada ao BPN (esse Banco alvo de uma fraude gigantesca em que estão envolvidos vários governantes da equipa de Cavaco Silva, em cujo precipício o Governo já enterrou perto de 5 000 milhões de euros de dinheiros públicos, através da CGD, ou seja, tanto como o assalto que este Governo prepara à carteira e à vida dos portugueses no OE do próximo ano, em nome do défice e da dívida públicas). A sua posição na linha da frente da defesa de todos os PECs e o seu patrocínio e comando da operação em curso PS/PSD para viabilizar um Orçamento para 2011 que vai significar recessão, mais desemprego, mais pobreza, tudo para contentar os “mercados” (leia-se as intocáveis instituições financeiras e grandes grupos económicos), enquanto se dá mais um golpe na esperança e na vida de milhões de trabalhadores, reformados, desempregados, precários e pequenos empresários.

Pode esta ser “ uma candidatura de futuro e de esperança” em tempos de crise, como se declara? Quando representa mais do mesmo, um discurso e uma prática situacionistas que já cansam, em que sempre nos reclamam o aperto do cinto hoje, em nome dos amanhãs que cantam ou do “mês que vem”, e que, como na canção de Chico Buarque, “nunca mais vem"?

A propósito, aqui fica a bela canção de Chico Buarque – “Pedro Pedreiro” – sobre a vida e as esperanças dos comuns, os que são usados e abusados até que também se cansam. E aí começam as alternativas…

Henrique Sousa, da Direcção da ATTAC Portugal


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