segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O regresso da Questão Social e uma raiva a nascer-nos nos dentes…

Só os cortes previstos no Orçamento de Estado para 2011 nos subsídios aos desempregados e aos beneficiários do rendimento social de inserção devem traduzir-se numa diminuição de 10% comparativamente com a despesa com estes apoios sociais estimada para este ano. Ou seja, um corte de 276 milhões de euros.

Os accionistas da Portugal Telecom, porém, não se comoveram com a crise. Decidiram atribuir a si próprios uma distribuição extraordinária de dividendos (ou seja, além dos muitos milhões de dividendos ordinários) de cerca de 1 500 milhões de euros, assim distribuída: 897 milhões em Dezembro deste ano e mais 583 milhões em Abril de 2011. Deste modo, antecipando-se ao agravamento da tributação prevista para 2011, o pagamento de quase 900 milhões de dividendos extra ainda este ano rouba ao Estado 260 milhões de euros em impostos que poderia cobrar em 2011 se essa distribuição de dividendos não fosse antecipada.
O Estado é assim espoliado no valor equivalente, só nesta operação, ao que vai tirar aos desempregados e aos mais pobres entre os pobres em 2011.
O reverso desta miséria política está nesta notícia de jornal sobre o quotidiano dos humilhados e ofendidos num Centro de Emprego:

Jornal Correio da Manhã, 6 Novembro: "Pouco passava da uma da madrugada quando Erica se dirigiu para a porta do Centro de Emprego de Portimão. Apesar de ser tão cedo, já só conseguiu ficar no 74º lugar da fila de desempregados, que foi crescendo ao longo da noite."
O capital e os especialistas fiscais que os ajudam nestas operações, com a complacência de um bloco de interesses PS/PSD para o qual já não existe complacência nem palavras, chamam a estes procedimentos “planeamento fiscal”. Para nós, é roubo legalizado!

Que fez o Governo para evitar isto? Nada!

Apenas lágrimas de crocodilo de Sócrates e Teixeira dos Santos que vieram para a imprensa lamentar a decisão em Assembleia Geral dos grandes accionistas da PT, que teve o apoio do segundo maior accionista, o banco público - a CGD. Quando o Governo conhecia antecipadamente, como é natural, o que ia ser decidido. Mas o Governo apenas deu “convenientemente” instruções à CGD para votar contra um dia depois da Assembleia Geral que votou a decisão, notícia publicada na imprensa e que não foi sequer desmentida. Palavras, para quê? Nem vergonha, nem pudor.

Usou ao menos este Governo a golden share (o pacote de acções com direito de veto que detém) com que “patrioticamente“ ameaçou, invocando o interesse nacional, quando da operação da venda pela PT da brasileira Vivo à espanhola Telefonica? Nem isso. Aliás, quando essa operação se realizou, o interesse nacional morreu logo na praia, mal a Telefonica subiu a parada e ofereceu aos accionistas da PT 7500 milhões de euros pela compra de operadora de telecomunicações móveis brasileira. E é preciso recordar que o Estado também não tributou sequer esta operação financeira e que o dinheiro foi todo para a PT?

Para finalizar com chave de ouro esta ópera bufa da promiscuidade entre governantes e negociantes, lembra-se o que foi também publicitado na imprensa: o lucro da PT em 2010 atingiu, nos primeiros 9 meses do ano, os 5 618 milhões de euros!!!

Só consigo acabar esta estória ilustrada da miséria destas elites políticas e económicas que todos os dias falam da “coragem” e da “determinação” com que nos apertam o cinto, lembrando-me de Sérgio Godinho a cantar “…E uma raiva a nascer-te nos dentes…”. Depois, admirem-se da revolta dos comuns...
Henrique Sousa, da Direcção da ATTAC Portugal

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