domingo, 5 de dezembro de 2010

Saúde: o assalto ao Estado Social também está a passar por aqui

Confundir competitividade e negócios com serviços públicos de saúde?

Um estudo elaborado pelo ISEG a pedido da organização Health Cluster Portugal possibilitou ao jornal Público proclamar em título destacado que "O SNS para tudo e para todos acabou. Está na altura de pagar em função de resultados", logo acrescentando no texto "O SNS gratuito é um mito com os dias contados. Prestar todo o tipo de cuidados de saúde a toda a gente leva à 'degradação do sistema de saúde' e é insustentável ". O estudo que serve de suporte a este artigo é significativamente intitulado Sustentabilidade e Competitividade na Saúde em Portugal e a organização que o suporta pretende desenvolver a competitividade na saúde em Portugal. A jornalista não explicou, porque não fez todo o trabalho de casa, mas nós lembramos que esta organização integra, além de hospitais, universidades e outras instituições públicas, também grupos económicos privados hospitalares (José de Mello Saúde, Hospitais Privados de Portugal), da indústria farmacêutica (GlaxoSmithKline, Bial, Roche, Pfizer, etc.) e muitos outros (ver aqui a lista de associados). E lembramos ainda que os estatutos desta associação de direito privado (ver aqui), cuja Direcção é presidida pelo patrão da Bial, tem como finalidade principal (artigo 3º) a “Promoção e o exercício de iniciativas e actividades tendentes à criação de um pólo nacional de competitividade, inovação e tecnologia de vocação internacional e, bem assim, tendo presentes requisitos de qualidade e profissionalismo, promover e incentivar a cooperação entre as empresas, organizações, universidades e entidades públicas, com vista ao aumento do respectivo volume de negócios, das exportações e do emprego qualificado, nas áreas económicas associadas à área da saúde, bem como à melhoria da prestação de cuidados de saúde”.

Ou seja, todos percebemos que o objecto principal desta organização privada não é tratar da saúde dos portugueses. É tornar competitivo internacionalmente e desenvolver o volume de negócios de um pólo nacional de indústrias da saúde, pelo que, só acessoriamente e no fim da definição do seu objecto, é que também fala na melhoria da prestação de cuidados de saúde. O seu objecto é certamente interessante e louvável, mas é fundamentalmente económico e de cariz lucrativo.

É assim mais fácil de compreender que o estudo encomendado recomende a liquidação do actual Serviço Nacional de Saúde público, financiado com os impostos pagos pelos portugueses proporcionalmente aos seus rendimentos, e a sua substituição por um modelo de seguro de doença em que é separado o financiamento da prestação de cuidados, que pode ser assegurada por entidades públicas ou privadas. O coordenador do estudo, Augusto Mateus, declara, aliás, que o Estado deve ter um papel de “regulação” e prestar cuidados de saúde “apenas naquilo em que é insubstituível”, usando mais as misericórdias e os novos investimento privados.

A finalidade desta coligação privada de instituições públicas e do mundo dos negócios da saúde não é, pois, encontrar as melhores soluções para que o Estado Social em Portugal cumpra com a sua obrigação constitucional de assegurar o direito à saúde de todos os portugueses “tendencialmente gratuito”. Ora sucede que um serviço público de saúde, que deve ser gerido com rigor, eficiência e eficácia, não pode ter como primeiro objectivo dar lucro. A sua prioridade é a saúde das pessoas, sem distinção de classe social, estatuto ou rendimento. Se assim não for, regressamos ao tempo da saúde para pobrezinhos, de cariz assistencialista, necessariamente degradada, agravando as desigualdades em que Portugal já é dos primeiros.

O “ remédio” com que o PSD quer legalmente liquidar o Serviço Nacional de Saúde:

Na mesma altura, foram apresentados os projectos de revisão constitucional dos partidos. O PSD propõe o corte da expressão “tendencialmente gratuito” quanto ao Serviço Nacional de Saúde e que o direito à protecção na saúde é realizado através de um SNS “universal e geral que tenha em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos”. Ou seja, substituir o carácter universal dos cuidados de saúde e das prestações sociais por uma visão assistencialista do Estado, conduzindo progressivamente ao seu empobrecimento e empurrando quem mais ganha para esquemas privados de saúde e protecção social. Debaixo da aparente leveza das palavras, está o projecto de acabar com o princípio de serem os impostos, progressivos e de acordo com os rendimentos de cada um, a constituírem a via de contrapartida para os direitos e benefícios do Estado Social. Claro que o PSD e Passos Coelho já aprendeu com Sócrates a proclamar que tudo o que faz é para defender o “Estado Social”. Porém, com amigos destes, para que precisa o verdadeiro Estado Social que ainda resta de inimigos?

As contradições de um Governo sem norte e de um Orçamento suicidário do "bloco central":



A inesquecível foto do negócio PS-PSD
que só um telemóvel registou
Depois de um despacho conjunto dos Secretários de Estado do Tesouro e Finanças e da Saúde abrir uma excepção para os hospitais públicos de gestão empresarial (EPE) relativamente ao corte de 15% nos custos operacionais exigido às empresas e institutos públicos no próximo ano, “não colocando em causa o nível de serviços de saúde prestados aos cidadãos”, veio agora o Ministro das Finanças dizer que quem manda é ele e que “não foi concedida qualquer excepção aos hospitais EPE no âmbito do programa de redução de custos e aumento de eficiência operacional”. E logo a Ministra da Saúde, dando também o dito por não dito, veio prestar vassalagem a Teixeira dos Santos, dizendo que os hospitais estão abrangidos pelas medidas de contenção do crescimento da despesa pública, “não vão ser excepção”, mas prometendo a quadratura do círculo, ou seja, que não vão ser reduzidos os cuidados de saúde nem diminuída a qualidade.

Como têm alertado os gestores dos hospitais públicos e bem sabem os profissionais de saúde que no SNS dão todos os dias o seu melhor para contrariar a sua degradação apesar dos golpes sofridos com as medidas governamentais, esta declaração de Ana Jorge não passa de um voto pio para disfarçar o indisfarçável: além das contradições e desnorte visíveis dos governantes, à medida que o seu barco se afunda, também a Saúde da grande maioria dos portugueses vai ser ainda mais atingida no próximo ano, depois dos aumentos nos medicamentos deste ano.

O SNS, uma das obras mais positivas da democracia conquistada:

O Serviço Nacional de Saúde, com todas as suas limitações e apesar dos erros de gestão, dos ataques aos direitos e motivação dos seus profissionais e dos golpes privatizadores, é ainda hoje reconhecido pelos portugueses como uma das mais preservadas conquistas sociais da democracia conquistada em Abril de 1974 e um dos projectos públicos mais bem sucedidos.

Não é por acaso que Portugal ocupa um dos primeiros lugares no mundo com as mais baixas taxas de mortalidade infantil e se destacou a nível mundial na sua drástica redução nas últimas décadas. O SNS detém um honroso 12º lugar na última classificação mundial dos países efectuada pela OMS quanto à qualidade dos serviços públicos de saúde .

O SNS precisa certamente de uma política rigorosa de gestão, que introduza mais eficiência na gestão dos recursos públicos e no combate ao desperdício e à corrupção, mais eficácia na cobertura dos cuidados de saúde às populações, mais valorização dos seus profissionais e do mérito e um combate duro contra o compadrio na nomeação para cargos públicos.

Não precisa certamente de ruinosas – para o Estado – parcerias público-privadas em hospitais (não esqueçamos o desastre de Amadora-Sintra) e outras medidas alimentando a promiscuidade entre serviço público e negócios privados na Saúde. Em que perdem sempre os contribuintes e o Estado e ganham sempre os mesmos. Foi assim que cresceram os grupos privados da saúde, agora famintos de se atirarem às partes rentáveis do SNS, deixando para o Estado o que não for rentável e a assistência aos pobres que não podem pagar.

A Saúde não pode ser mais um negócio entregue à gula insaciável dos mercados. É um direito fundamental dos cidadãos. São as nossas vidas que estão em jogo, não é um jogo de números, como pensa este Ministro das Finanças, que ficará conhecido pela falência sucessiva de promessas e previsões, e por ser forte com os fracos e fraco com os fortes. Só a provisão pública de cuidados de saúde qualificados, suportados pelos impostos de todos, garante os alicerces de uma sociedade mais democrática e menos desigual. Não pense o bloco central de interesses que a maioria dos portugueses vai desistir do SNS a que tem direito sem luta!

Henrique Sousa, da Direcção da ATTAC Portugal

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