quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Tratado de Lisboa: o naufrágio do prometido "novo começo para a Europa"

Um ano depois da assinatura em Belém, com pompa e circunstância, do Tratado de Lisboa, que Sócrates e Cavaco Silva tentaram transformar em momento de efémera glória, que resta desse documento celebrado pelas elites do poder político e económico europeu como o caminho para tornar a UE uma organização mais eficaz, mais democrática, com um funcionamento mais simplificado, e outros mimos na altura prometidos?


Qual o resultado das promessas então feitas de mais coesão, mais solidariedade, mais respeito pelos valores e direitos humanos, apesar de aprovar uma Carta dos Direitos Fundamentais sem carácter imperativo e de deixar as políticas sociais de fora das políticas comuns?

De facto, o que se viu desde então foi o reforço da concentração do poder de comando nas grandes potências europeias, nas mãos da Alemanha e do eixo Berlim-Paris (com a França como actor secundário), e a redução da maioria dos Estados-membros à condição de actores secundários de uma peça comandada pela Sra. Merkel, como comissária dos banqueiros e grupos económicos alemães. O que se vê não é o reforço da solidariedade e da coesão, a protecção dos direitos humanos, mas o agravamento por todo o lado do ataque aos direitos sociais e o crescimento da xenofobia e das perseguições contra os emigrantes e as minorias, de que a Itália de Berlusconi e a França de Sarkozy são apenas dois desgraçados exemplos. O que se vê é uma UE desorientada e desarticulada a enfrentar a crise económico-financeira com recurso às piores receitas neoliberais e sacrificando os países da periferia no altar da pior especulação financeira. O que se vê é uma UE e um euro em crise, incapaz de responder de forma coesa e solidária aos mercados financeiros e capturada por estes, ameaçando um grave naufrágio que pode representar o maior e mais grave recuo político europeu das últimas décadas. O que se vê é um Banco Central Europeu nada preocupado com o empobrecimento e o desemprego dos europeus, mas assumindo o papel diligente de representante do FMI para a Europa.

Também sobrou, como elemento mais visível do Tratado de Lisboa, não a eficácia prometida, mas uma cacofonia institucional, com a criação do cargo de Presidente do Conselho Europeu (entregue a um tal Herman von Rompuy), que agora compete nas fotografias com o Presidente da Comissão Europeia e com os Primeiros-Ministros dos países que asseguram presidências rotativas; e com a criação do cargo de Alto Representante para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, entregue a uma baronesa britânica, uma tal Catherine Ashton, que anda desaparecida em combate nos cenários dos grandes problemas internacionais, mais preocupada em gerir os interesses na criação de um exército de milhares de burocratas encarregues da suposta diplomacia europeia (quem diz que a UE não cria empregos?).

Tão amigos que eles eram há um ano!
Sócrates, enlevado com o seu papel de mordomo de "eventos" e hospedeiro dos poderosos da Europa, declarava há um ano, entre outras pérolas retóricas que aqui recordamos e que qualquer um encontra nos jornais da época, que o Tratado de Lisboa seria o alfa e o ómega da Europa, no que aliás foi acompanhado pelo PSD e por Cavaco Silva:

- Um "novo começo" para “uma regulação mais justa da globalização e para a afirmação da sensibilidade europeia”;

- “Um novo começo, enfim, para uma Europa mais forte na afirmação dos valores europeus”;

- “Um novo começo com o reforço das regras de transparência, de controlo democrático e de eficácia na tomada de decisões”;

- A Europa saiu "mais forte, para enfrentar as questões globais, para assumir o seu papel no mundo, e porque deu um sinal de confiança à economia e cidadãos europeus";

- "A Europa cumpriu o objectivo crucial de ter um Tratado que afirma os valores europeus, de ter um tratado que reforça a Europa enquanto actor económico global, e o objectivo crucial para a Europa de ter as condições institucionais de maior eficácia para desempenhar o seu papel";

- "A História há-de recordar este dia como um dia em que se abriram novos caminhos de esperança ao ideal europeu".

Que dirá agora Sócrates quando ouve líderes europeus a falarem já na necessidade de rever este Tratado, assinado apenas há um ano, considerado então um monumento para a História e para glória pátria?

Este é o mesmo Sócrates que só descobriu a crise mundial nos finais de 2008, quando ela se desenvolvia há um ano, que rasgou todas ou quase todas as promessas eleitorais feitas nas duas eleições que lhe deram o cargo de Primeiro-Ministro, que quando faz previsões nos faz já temer a seguir o pior. Aliás, são inesquecíveis também as suas promessas eleitorais (não antes da crise, mas em plena crise!) quanto à não subida de impostos, à criação de empregos e a sua afirmação de cavaleiro do Estado Social. Viu-se!

Um ano depois, e em conclusão: tinham ou não razão quantos à esquerda, nos sindicatos, nos movimentos sociais (incluindo a ATTAC) disseram não a este Tratado de Lisboa, concebido à imagem e semelhança dos interesses do directório comandado pela Sra. Merkel, mas ao arrepio de uma construção europeia que assegure um espaço europeu de paz, de mais coesão social e de mais democracia num mundo em aceleradas mudanças?

Henrique Sousa, da Direcção da ATTAC Portugal

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