quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Mais um prego no caixão da redução das relações de trabalho à lei da selva e do Estado Social a um Estado assistencial


Logo no day after das eleições presidenciais, o Governo de Sócrates explicou-nos da forma mais dolorosa e brutal uma das principais razões pelas quais Manuel Alegre, candidato em melhores condições de disputar a 2ª volta por parte das esquerdas, não podia vencer:

Apresentou na Concertação Social a sua proposta para reduzir a indemnização por despedimento, através da imposição de um tecto máximo ao seu valor (12 meses de salário) e da redução para 20 dias de salário por cada ano de trabalho, e aplicando o corte também aos contratos a termo, que seriam assim ainda mais generalizados. Como anzol e isca para anestesiar os actuais trabalhadores, lá prometeu que seria apenas aplicável aos novos contratos de trabalho. Enquanto as confederações patronais gulosas, com a CCP a servir de lebre, já vão pedindo o corpo a quem ofereceu o braço, ou seja, que a redução seja aplicável a todos.

Afinal, não foi este Governo que mandou às malvas o valor dos contratos, da negociação colectiva e dos direitos acordados, ao cortar unilateralmente salários e outros direitos na Função Pública e empresas públicas? E não existem luminárias que, em nome da "igualdade", acham que já agora o melhor é normalizar por baixo e cortar a todos, de modo a ficarmos todos mais pobrezinhos?

O ataque aos direitos e ao Estado Social através do corte geracional!


Este Governo prossegue a táctica, que já vem sendo utilizada pelo poder político e pelos patrões, de recorrer à separação geracional dos trabalhadores no processo de destruição de direitos sociais e laborais duramente conquistados no século XX. Anestesiando e reduzindo a resistência social (afinal, não é para nós, é para os outros…) e aproveitando o conformismo social produzido pela intensa pressão mediática dos "sacrifícios" e da "austeridade" necessárias para sair da crise gerada pelos mesmos que estão a ganhar com ela. Não por acaso, a dimensão do corte de direitos aos novos trabalhadores é menos valorizada nas críticas sindicais.

Enfrentamos assim a desgraçada situação paradoxal de a jovem geração mais preparada e culta de sempre ser também a primeira geração a ter menos direitos, menos trabalho, menos protecção social e salários mais baixos que os seus pais. Enquanto cresce a concentração da riqueza à sombra da captura (não apenas promiscuidade) da política pelos negócios.

A criação de um "fundo" cuja lógica ninguém percebe

Para que serve o fundo para financiar os despedimentos na base de pretensas contribuições das "empresas"que o Governo propõe, de facto cometendo a crueldade social de colocar os trabalhadores a pagarem, através de mais cortes nos salários, o seu próprio funeral? Para estimular a competitividade ou criar empregos, também não é certamente, porque se traduz em mais encargos imediatos nas empresas, como tributação adicional sobre o trabalho, em nome de um suposto "benefício" futuro. Ou este fundo esconde a manobra de vir a ser financiado pela Segurança Social Pública paga pelos trabalhadores, na linha de outros desvios inaceitáveis dos seus dinheiros para os bolsos das empresas?

O argumento que a evidência empírica sempre tem desmentido

A fundamentação governamental e os aplausos patronais e dos seus comentadores de serviço (os tais e os mesmos que nunca se enganam, antes, durante e depois das crises) para estas medidas é a do costume: incentivar a competitividade, promover o crescimento e o emprego.

A mesma treta que PS e PSD nos impingem há anos, com PECs e sem eles: sempre novos assaltos aos direitos e à bolsa (não à Bolsa, que essa protegem-na quanto podem!), com o resultado conhecido de o "bom aluno" ir deslizando cada vez mais para a cauda da Europa – mais desemprego, mais precariedade, contratos a prazo e falsos "recibos verdes", mais pobreza, mais desigualdade, mais atraso económico relativo.

Os ventos e os exemplos de Espanha ou a lógica do plano inclinado?

Um argumento central do Governo é que as indemnizações por despedimento em Portugal são muito elevadas comparativamente com o resto da Europa e que as medidas propostas são iguais às tomadas na vizinha Espanha. Não somos adeptos da ideia de que "de Espanha nem bom vento, nem bom casamento", e nem os padrões de vida, nem as medidas, nem os padrões de rendimento são iguais.

Por isso perguntamos: se é para seguir exemplos, por que carga de água é que não aumentam também o salário mínimo nacional lusitano dos actuais 485 € para os 640 € de Espanha? E, já agora, por que não elevam os salários médios dos trabalhadores portugueses dos actuais 894 € para os 1 538 € da vizinha Espanha ou para as remunerações médias na Europa? E, já agora, porque não harmonizam o IVA, na Espanha de 18% e em Portugal de 23%?

A verdade é que este Governo, como igualmente o PSD, com os seus PECs e o seu servilismo perante uma União Europeia capturada pelos "mercados financeiros" e pela narrativa neoliberal, estão determinados a desvalorizar mais e mais a varíável dos custos do trabalho na vertigem suicidária de que a competitividade económica e o sossego dos "mercados" se resolve através de uma oferta de mão de obra ainda mais barata e indefesa, desmotivada e desprotegida. Assim perpetuando e agravando um modelo económico assente em baixos salários, actividades desvalorizadas e sectores de bens e serviços protegidos e entregues aos grandes interesses privados (os chamados bens não transaccionáveis).


Perguntas à espera de resposta:

Como é que ainda têm a lata de nos contar sempre a mesma história, de que facilitar mais o despedimento é o caminho para mais emprego, num país que já tem uma das mais elevadas taxas europeias de desemprego, de precariedade nos contratos de trabalho, e uma das legislações mais permissivas de despedimento colectivo e dos mais baixos salários?

Qual a racionalidade desta iniciativa do Governo, a não ser a de prosseguir no caminho errático e sem saída de contentar e sossegar os "mercados financeiros" e os seus agentes em Bruxelas, que logo vieram aplaudir esta medida, e de tentar quebrar mais e mais a resistência dos trabalhadores ao desmantelamento do Estado Social e à redução das relações de trabalho à lei da selva?

Mobilização social e iniciativa política à esquerda, precisam-se!

A Concertação Social, em vez de ser um espaço de representação e participação na criação de uma cultura positiva de diálogo social na construção das políticas públicas económico-sociais, continua assim pela mão do Governo PS de Sócrates a ser esvaziada e crescentemente reduzida a um papel instrumental e sem futuro de câmara de ressonância das medidas neoliberais de um Governo "socialista". O conflito e a mobilização social emergem assim como o caminho inevitável para enfrentar os PECs que já cá cantam e os que se preparam.

A retoma da ofensiva anti-social do Governo, após um breve interregno de alguns dias na campanha das presidenciais, põe também a nu a urgente necessidade de reagrupamento das forças sociais e políticas que se opõem a este caminho. A iniciativa do Governo, como também as anunciadas conclusões da Direcção do PS, não aprendendo com a sua responsabilidade na vitória da direita nas presidenciais, pretendendo esquecer Alegre  e "recentrar" o PS, distanciando-o duma esquerda incómoda e virando ao centro (ou à direita, depende do lugar de observação...), não auguram nada de bom.
A rendição da social-democracia na Europa e em Portugal à narrativa neoliberal do capitalismo exige uma agregação e rearrumação de forças por parte de todos quantos não desistem de propor uma alternativa de governação e de política à esquerda, e não se conformam apenas com a resistência social, ou crescerá a captura dos desiludidos pelo abstencionismo e pela demagogia. Então outros saberão, agitando as ilusões populistas da extrema-direita, como se vê na Europa e também sucedeu num passado não muito distante, combinar o ataque à democracia política com a instrumentalização da Questão Social e com a exploração do desalento causado pela sistemática traição das promessas eleitorais pelos partidos de governo.  Os níveis anormalmente elevados de desconfiança interpessoal e no sistema político verificados entre os portugueses são o caldo de cultura e o aviso para isso. A distracção política, as guerras paroquiais e o sectarismo terão um preço elevado.

Henrique Sousa, da Direcção da ATTAC Portugal

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