Um espectro assombra a Europa
Não, desta vez não é o espectro do comunismo, de que falava o Manifesto Comunista de Marx e Engels no século XIX, que assombra a Europa, fornecendo esperança ao movimento social e operário.
É o espectro de uma extrema-direita, recauchutada e “modernizada”, que em vários países europeus procura cavalgar a crise e o naufrágio do projecto europeu, o desemprego, o ataque aos direitos sociais, numa eficaz mistura da exploração dos problemas sociais com o seu tradicional discurso nacionalista, securitário e contra a imigração, e “actualizando” o seu discurso xenófobo com a utilização instrumental do secularismo como arma de combate contra os muçulmanos. Penetrando crescentemente em sectores sociais mais fustigados pela crise económica e social, procura abandonar a velha imagem marginal anti-sistema associada à pública simpatia pelo nazismo e pelo fascismo, lavar a fachada, superar a retórica no domínio dos costumes e assumir uma face “respeitável” para lutar pela conquista da hegemonia dentro do sistema político e social. Possuindo também um denominador mais ou menos comum – o apoio a Israel, em nome do combate à “islamização do Ocidente” -, como se demonstrou na calorosa visita em Dezembro (ver aqui) de uma delegação da extrema-direita europeia a Israel, em nome do combate à “islamização do Ocidente”.
Na Suíça, o partido mais votado é um partido da extrema-direita, a UDC, com 29% dos votos e que conduziu o vergonhoso referendo contra a construção de minaretes. Na Holanda, o Partido da Liberdade de Geert Wilders tornou-se o terceiro partido mais votado, com 15,5% dos votos, com uma campanha “contra a islamização da Holanda”. Na Itália, a Liga Norte de Bossi, fazendo campanha pelo Norte rico contra o Sul pobre e contra a imigração, tem 4 ministros no Governo Berlusconi, 60 deputados e mais 6 deputados no conjunto da extrema direita do PE, num total de 36. Na Hungria (o país onde o próprio Governo de direita, que preside actualmente à União Europeia, está a enterrar a liberdade de imprensa), o Jobbik, partido anti-ciganos com uma milícia paramilitar, já é o terceiro partido político em termos eleitorais. Na Bélgica, o partido independentista Vlaams Belang da extrema-direita flamenga conquistou 12 deputados nas últimas eleições. Na Áustria, o Partido da Liberdade conquistou 27% dos votos nas últimas eleições locais em Viena, além da forte votação nas legislativas e europeias. Também nos países nórdicos, na Suécia e na Dinamarca, os partidos da extrema-direita têm vindo a crescer eleitoralmente na base da retórica anti-imigração.
No conjunto, como é referido no interessante dossier sobre a extrema-direita publicado na edição de Janeiro do Le Monde Diplomatique, os partidos da extrema-direita conquistaram nas últimas eleições europeias e outras eleições nacionais posteriores mais de 10% dos votos em 11 países.
A eleição de Marine Le Pen para presidente da Frente Nacional francesa é o mais recente episódio deste processo, culminando uma bem conseguida campanha mediática para suceder ao seu pai e apresentar-se como o rosto respeitável, “social” e “modernizador” da extrema-direita, sem dispensar também o recurso a declarações públicas condenando as orações muçulmanas no espaço público como comparáveis com a ocupação nazi. Investindo fortemente na conquista do eleitorado da direita e dos sectores sociais mais atingidos pela crise, as suas posições (ver aqui) têm a condenação de 61%, mas recolhem a aprovação de 39% dos franceses (49% entre os operários, 42% entre os jovens dos 25 aos 34 anos), recolhe 18% num índice de popularidade entre os franceses (sondagem de Janeiro de TNS Sofres/Figaro) e 14% numa sondagem sobre as intenções de voto nas presidenciais de 2012 (ver aqui), sendo a terceira figura mais votada depois de Sarkozy e da dirigente socialista Martine Aubry.
Lembram-se?
Quando a URSS e os regimes governados por partidos comunistas no Leste da Europa implodiram, a social-democracia esfregou as mãos de contente, pensou que escapava e foi a correr meter-se na boca do lobo do neoliberalismo através da terceira via de Blair, Schroeder & Cª, não reconhecendo nem compreendendo o enorme desafio que a profundidade dessas mudanças políticas colocava a toda a esquerda e não apenas aos comunistas.
O resultado, viu-se e vê-se numa União Europeia a naufragar e em risco de afogamento, em que os responsáveis da crise pregam receitas destinadas a agravar as desigualdades e tornar a política ainda mais refém dos mercados financeiros e dos poderosos, com a cumplicidade dos governos, incluindo os que se afirmam socialistas e sociais-democratas, que têm vindo a “comprar” as teses xenófobas e racistas da extrema-direita. A qual, assim, vai ganhando espaço no combate pela hegemonia das ideias e valores e preparando o terreno para mais altos voos.
Este “filme” não é novo.
Não apaguemos da memória colectiva o que se passou nos anos 20 e 30 na Europa, após a primeira grande guerra, em plena crise económica e financeira internacional, em que a ascensão dos fascismos, misturando também a exaltação nacionalista, o discurso xenófobo e anti-judeu (agora, o sucedâneo é anti-muçulmano), uma retórica anticapitalista, a promessa de direitos sociais aos explorados, levou à ocupação de quase toda a Europa por ditaduras e lançou a semente da guerra mais mortífera que a Humanidade conheceu.
E agora?
São notórias as dificuldades das esquerdas europeias de apresentarem alternativas políticas credíveis, socialmente mobilizadoras e agregadoras de forças. Essas dificuldades são notórias também em Portugal, e no quadro político actual das presidenciais. Mas este é um desafio incontornável da época que vivemos. Ou aumentarão os riscos de tanto os que temem a perda de privilégios, como os flagelados por uma crise que lhes caiu em cima, serem todos capturados pela mistura perigosa e populista de demagogia social, securitarismo, xenofobia e nacionalismo da extrema-direita, directamente ou pela inoculação dos seus valores e narrativas nos comportamentos sociais e políticos.
Se neste canto extremo e periférico da Europa chegam mais tardiamente os movimentos políticos e culturais, convém não nos iludirmos com a treta do “Portugal de brandos costumes” ou acreditar que escapamos a estes desafios. No day after das eleições presidenciais, aos cidadãos de esquerda, com e sem partido, ou que pelo menos não acreditam nem na teologia neoliberal dos mercados nem em receitas xenófobas que transformam o “outro” em inimigo, continuará de modo mais premente e exigente a necessidade de encetar a caminhada de agregar forças para uma alternativa política a sério. Que dê uma resposta exigente e não superficial à Questão Social renascida. Que rompa com o desgraçado bloco central de interesses que tem conduzido o País para a pantanosa e desgraçada situação actual, sem cair nos engodos mais radicalizados da direita.
Henrique Sousa, da Direcção da ATTAC Portugal
É o espectro de uma extrema-direita, recauchutada e “modernizada”, que em vários países europeus procura cavalgar a crise e o naufrágio do projecto europeu, o desemprego, o ataque aos direitos sociais, numa eficaz mistura da exploração dos problemas sociais com o seu tradicional discurso nacionalista, securitário e contra a imigração, e “actualizando” o seu discurso xenófobo com a utilização instrumental do secularismo como arma de combate contra os muçulmanos. Penetrando crescentemente em sectores sociais mais fustigados pela crise económica e social, procura abandonar a velha imagem marginal anti-sistema associada à pública simpatia pelo nazismo e pelo fascismo, lavar a fachada, superar a retórica no domínio dos costumes e assumir uma face “respeitável” para lutar pela conquista da hegemonia dentro do sistema político e social. Possuindo também um denominador mais ou menos comum – o apoio a Israel, em nome do combate à “islamização do Ocidente” -, como se demonstrou na calorosa visita em Dezembro (ver aqui) de uma delegação da extrema-direita europeia a Israel, em nome do combate à “islamização do Ocidente”.
Na Suíça, o partido mais votado é um partido da extrema-direita, a UDC, com 29% dos votos e que conduziu o vergonhoso referendo contra a construção de minaretes. Na Holanda, o Partido da Liberdade de Geert Wilders tornou-se o terceiro partido mais votado, com 15,5% dos votos, com uma campanha “contra a islamização da Holanda”. Na Itália, a Liga Norte de Bossi, fazendo campanha pelo Norte rico contra o Sul pobre e contra a imigração, tem 4 ministros no Governo Berlusconi, 60 deputados e mais 6 deputados no conjunto da extrema direita do PE, num total de 36. Na Hungria (o país onde o próprio Governo de direita, que preside actualmente à União Europeia, está a enterrar a liberdade de imprensa), o Jobbik, partido anti-ciganos com uma milícia paramilitar, já é o terceiro partido político em termos eleitorais. Na Bélgica, o partido independentista Vlaams Belang da extrema-direita flamenga conquistou 12 deputados nas últimas eleições. Na Áustria, o Partido da Liberdade conquistou 27% dos votos nas últimas eleições locais em Viena, além da forte votação nas legislativas e europeias. Também nos países nórdicos, na Suécia e na Dinamarca, os partidos da extrema-direita têm vindo a crescer eleitoralmente na base da retórica anti-imigração.
No conjunto, como é referido no interessante dossier sobre a extrema-direita publicado na edição de Janeiro do Le Monde Diplomatique, os partidos da extrema-direita conquistaram nas últimas eleições europeias e outras eleições nacionais posteriores mais de 10% dos votos em 11 países.
A eleição de Marine Le Pen para presidente da Frente Nacional francesa é o mais recente episódio deste processo, culminando uma bem conseguida campanha mediática para suceder ao seu pai e apresentar-se como o rosto respeitável, “social” e “modernizador” da extrema-direita, sem dispensar também o recurso a declarações públicas condenando as orações muçulmanas no espaço público como comparáveis com a ocupação nazi. Investindo fortemente na conquista do eleitorado da direita e dos sectores sociais mais atingidos pela crise, as suas posições (ver aqui) têm a condenação de 61%, mas recolhem a aprovação de 39% dos franceses (49% entre os operários, 42% entre os jovens dos 25 aos 34 anos), recolhe 18% num índice de popularidade entre os franceses (sondagem de Janeiro de TNS Sofres/Figaro) e 14% numa sondagem sobre as intenções de voto nas presidenciais de 2012 (ver aqui), sendo a terceira figura mais votada depois de Sarkozy e da dirigente socialista Martine Aubry.
Lembram-se?
Quando a URSS e os regimes governados por partidos comunistas no Leste da Europa implodiram, a social-democracia esfregou as mãos de contente, pensou que escapava e foi a correr meter-se na boca do lobo do neoliberalismo através da terceira via de Blair, Schroeder & Cª, não reconhecendo nem compreendendo o enorme desafio que a profundidade dessas mudanças políticas colocava a toda a esquerda e não apenas aos comunistas.
O resultado, viu-se e vê-se numa União Europeia a naufragar e em risco de afogamento, em que os responsáveis da crise pregam receitas destinadas a agravar as desigualdades e tornar a política ainda mais refém dos mercados financeiros e dos poderosos, com a cumplicidade dos governos, incluindo os que se afirmam socialistas e sociais-democratas, que têm vindo a “comprar” as teses xenófobas e racistas da extrema-direita. A qual, assim, vai ganhando espaço no combate pela hegemonia das ideias e valores e preparando o terreno para mais altos voos.
Este “filme” não é novo.
Não apaguemos da memória colectiva o que se passou nos anos 20 e 30 na Europa, após a primeira grande guerra, em plena crise económica e financeira internacional, em que a ascensão dos fascismos, misturando também a exaltação nacionalista, o discurso xenófobo e anti-judeu (agora, o sucedâneo é anti-muçulmano), uma retórica anticapitalista, a promessa de direitos sociais aos explorados, levou à ocupação de quase toda a Europa por ditaduras e lançou a semente da guerra mais mortífera que a Humanidade conheceu.
E agora?
São notórias as dificuldades das esquerdas europeias de apresentarem alternativas políticas credíveis, socialmente mobilizadoras e agregadoras de forças. Essas dificuldades são notórias também em Portugal, e no quadro político actual das presidenciais. Mas este é um desafio incontornável da época que vivemos. Ou aumentarão os riscos de tanto os que temem a perda de privilégios, como os flagelados por uma crise que lhes caiu em cima, serem todos capturados pela mistura perigosa e populista de demagogia social, securitarismo, xenofobia e nacionalismo da extrema-direita, directamente ou pela inoculação dos seus valores e narrativas nos comportamentos sociais e políticos.
Se neste canto extremo e periférico da Europa chegam mais tardiamente os movimentos políticos e culturais, convém não nos iludirmos com a treta do “Portugal de brandos costumes” ou acreditar que escapamos a estes desafios. No day after das eleições presidenciais, aos cidadãos de esquerda, com e sem partido, ou que pelo menos não acreditam nem na teologia neoliberal dos mercados nem em receitas xenófobas que transformam o “outro” em inimigo, continuará de modo mais premente e exigente a necessidade de encetar a caminhada de agregar forças para uma alternativa política a sério. Que dê uma resposta exigente e não superficial à Questão Social renascida. Que rompa com o desgraçado bloco central de interesses que tem conduzido o País para a pantanosa e desgraçada situação actual, sem cair nos engodos mais radicalizados da direita.
Henrique Sousa, da Direcção da ATTAC Portugal
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