O paradoxo das escolhas políticas nas Presidenciais
Quem escolhe Manuel Alegre, sabe que o candidato é apoiado pelo partido do Governo e pelo Primeiro-Ministro que tem a pouco honrosa folha de serviços conhecida e também pelo BE, que assume uma oposição frontal a este Governo. Mas sabe também que é um candidato de uma coligação de cidadãos apoiada por partidos, que não abençoou os PECs, que não considera a actual orientação política do País e da UE capaz de enfrentar a crise, que tem recusado abençoar a política do PS, marca distância crítica em relação ao Governo e se assume como um socialista independente nas ideias e na sua prática política. É pelo Estado Social e pela sua universalidade. Esteve frontalmente contra a revisão anti-laboral do Código do Trabalho. Assume, na contradição dos apoios partidários recebidos, a coerência de defender o diálogo e a convergência das esquerdas.
Os outros candidatos, cumprem os respectivos papéis. Coelho é, nas suas próprias palavras, um outsider populista que tem o mérito de exprimir desassombradamente, nas contradições do que defende e propõe, a revolta contra os poderosos. Defensor Moura já justificou a candidatura pelo modo frontal como num debate televisivo apeou Cavaco Silva do pedestal de que não queria sair e pôs à mostra os seus pés de barro. Francisco Lopes cumpre profissionalmente a sua missão partidária de mobilizar o eleitorado do PCP e de aproveitar a campanha presidencial para divulgar os pontos de vista do partido; em rigor, é um partido "candidato" a um órgão unipessoal para ocupar espaço de debate. Fernando Nobre vai evidenciando na campanha a diferença entre ser um destacado activista social e ser candidato a um cargo político, ou, dito de outro modo, ilustra bem nestas eleições a aplicação do princípio de Peter, tendo dado um passo maior que a sua perna e revelando a enorme fragilidade do seu pensamento e posicionamento políticos.
Em conclusão:
Estas eleições presidenciais contrariam a lógica formal dos alinhamentos partidários e exigem escolhas cidadãs voltadas para a substância política das coisas.
Ou seja, quem vote Cavaco vota, mesmo com as melhores intenções (e delas está o inferno cheio), no agravamento do situacionismo de interesses financeiros e económicos instalados e das desigualdades que estão na origem da crise actual.
Quem vote em Alegre, filiado no partido do Governo, vota num cidadão que se opõe às escolhas que têm comandado a política portuguesa, que assume um claro compromisso de fidelidade à Constituição actual, à defesa do Estado Social e se opõe às orientações neoliberais e ao comando da política pelos mercados financeiros.
O voto em Manuel Alegre interessa, além do eleitorado socialista, a todos quantos não concordam com o rumo político do País dos últimos anos, comandado por PS e PSD, e desejam construir uma alternativa.
O voto em Cavaco Silva é um voto na continuidade e agravamento da orientação política do bloco central de interesses que conduziu o País à desastrosa situação actual e a promessa de aceleração de uma crise política anunciada e desejada pelo PSD e pelo CDS-PP.
Eis o paradoxo das eleições presidenciais e das escolhas políticas em jogo. Oxalá que os últimos dias desta campanha eleitoral diminuída pelo impacto da crise e empobrecida no debate político tornem mais claras, por debaixo das aparências e dos alinhamentos partidários formais, as escolhas reais que se perfilam e as suas consequências para o nosso futuro colectivo.
Henrique Sousa, da Direcção da ATTAC Portugal
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